AMOR
O amor é uma deusa incorruptível
que bebe da nossa líquida devoção
esse Sol que a pele carrega com braços de âmbar.
É um animal estelar com as asas acesas e brandas
que magoando o ar com largos mimos
afaga a nossa indecisão de o deixar viver ou morrer
dessa sede de que ele próprio crê ascender
como transcendência da sua própria transpiração.
Tem a fome do mundo, mas o universo quere-lo comer,
porque os sentidos são mais fortes
que esse desespero de vir a ser luz um dia
em que a sombra será o espelho partido
dessa vaidade de amar dormindo no próprio calor do escuro.
O amor é uma inexistência sagaz e imaculada;
prova amorfa da nossa ilusão sentimental.
Quem nos pediu para amar não foi deus-homem,
mas esse homem-deus que pariu na sua solidão
a massa com que fez o sentimento e depois a luz.
Amar é o princípio de tudo, mesmo do Universo,
com cavidades estelares escondendo a verdade
para que um dia tudo exista em si como na origem.
O amor veio um dia dessas cavernas estelares
iluminar todos os ninhos e lírios que o átomo plantou
quando eram sencientes os ares e os cristais
como se a eternidade não fosse mais que uma pedra
e a luz uma gaivota que manchasse o coração
com o canto do seu voo sussurrante.
O vácuo não é mais que o tapete onde o amor nasceu,
onde a magia se fez aparecer para que o dia fosse
e a noite existisse e o musgo do sentimento nicho
onde adormece o mar da sublimação perene e perfeita.
A semente desse fusco desconhecido é a luz,
é a energia cambiante do oco que cheio é pelo próprio amor,
é o útero misterioso cintilando no céu
a láctea substância que arquitecta os sentidos
numa corrente interna e superior de brilhos eternos.
A própria metafísica do amor explica-nos o defeito
em pensarmos na aglutinação afectiva e dolosa
que esse universal perfume nos provoca na alma,
o magno senso é pensar no sonho como escola
não o sentirmos como delonga da nossa iluminação.
Tudo no vácuo é corrigido e o relógio soletra a nossa paz
com ponteiros de areia e sons de melancólico mar
como se o obscuro fosse o nosso feto e o início da liberdade
e a sina o farol que nos empluma a vida engastada
derramando os sóis do espírito sempre que a fé se perde.
A sensação que o amor nos dá é ela própria a fruição
que nos acompanha sempre que a vida se afunda no céu
como se o espaço fosse a metafísica suficiente para voarmos
e morrermos pelo branco em que nos transformamos
depois de amarmos, depois de amarmos como estrelas
esse invisível ar sagrado de músicas em silêncio.
O Amor é a sublime oportunidade de nos sabermos,
de agarrarmos a eternidade pela beleza dos seus filamentos,
de sermos únicos e serenos como o mar em paixão,
de fugirmos pelo Universo como seres transparentes,
de nada ser e tudo na filosofia incorrecta de um planeta,
de escolhermos as cores da eternidade
e dormirmos secretamente na jangada do sonho
que ao irmos parados vislumbramos o início da nossa verdade e certeza.
O Amor é o bálsamo, a panaceia, o pergaminho,
a pedra que contém a pedra, a filosofal, o brilho
o cristal de todas as auras, o livro de todas as almas
o mistério último da nossa prometida liberdade.
O Amor é o segredo mais claro de toda a nossa vida.
Edmundo d'Silva
27/12/2002
S. João da Madeira - Portugal
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