Ao Amor Doentio

 

Crepúsculo... A loucura sobe ao meu turvo olhar.

Entras no salão palacial lindíssima, se contorcendo como jibóia,

E suspeito ver a cor sangrenta de amaranto no luar

Quando, em verdade, observo uma única e preciosa jóia...

Crepúsculo... A loucura sobe ao meu turvo olhar.

 

Ébrio em meus intensos espasmos e pesares de desejo,

Vi em vestes de volúpia e letal veneno a odalisca.

Senti-me paralisado, tonto... Senti que vinha o ensejo,

Pois embasbacada e alheia até minh'alma pisca

Ébria em meus intensos espasmos e pesares de desejo...

 

Era a própria lua vaidosa, a lua do deserto...

Eu me senti pálido, lívido, surdo, louco, mudo

Diante daquela beleza que tornava meu futuro incerto.

Pois não havia defesa para tal encanto, nenhum escudo:

Era a própria lua vaidosa, a lua do deserto...

 

Não sendo serpente, ainda assim era uma peçonhenta naja.

Tua sensual dança instigava à erupção o meu gozo!

Tão formosa... Contra ti não há homem que reaja,

Posto que inebrias qualquer ser com o odor do sândalo perfumoso.

Não sendo serpente, ainda assim era uma peçonhenta naja!

 

Aproximavas com paixão dos meus os teus lábios.

(Frenesi facínora... Querias me trespassar com a cimitarra?).

Ninguém resistiria à ti, nem os supremos sábios!

Queria eu ser o algoz... Mas fui a vítima em tua garra:

Aproximavas com paixão dos meus os teus lábios...

 

Árabe donzela, foste moldada com argila de anjos!

Vinhas mádida, diáfana fazer a dança dos sete véus!

Teus modos místicos expressavam luxúria, tal como os arranjos;

Eu era uma inerte sombra perdida na luz dos céus...

Árabe donzela, foste moldada com argila de anjos!

 

Pudesse eu crer nas palavras dos mágicos oráculos

E então teria escapado de tua fatal dança do ventre.

É que por trás de teus esplêndidos e etéreos espetáculos

Havia uma câmara de torturas onde é mister que todo tolo entre...

Pudesse eu crer nas palavras dos mágicos oráculos...

 

Este é o teu poder, o poder da mulher, o poder feminino.

Eu fui João Batista, tu foste a lânguida e bela Salomé...

Em andrajos, meu destino foi engolido pelo teu destino!

E fiquei, como escravo, beijando o teu macio pé...

Este é o teu poder, o poder da mulher, o poder feminino...