PAIXÕES CLANDESTINAS ( conto )

PAIXÕES CLANDESTINAS  ( conto )

Estar em outros braços , em busca de um prazer já não experimentado, a atordoava. Não refutava, todavia, os carinhos recebidos, isso não.Casada e mãe, aquilo fugia a todos os seus princípios morais e religiosos. A construção daquele flerte foi se consumando nos dias, em olhares, a princípio inocentes, depois cada vez mais ousados. Chegar até ali não havia sido nada fácil, mas conviver com aquela situação haveria de ser ainda mais difícil...

 
 Ele também não se sentia totalmente à vontade, dividia-se naquele momento de aparente gozo, com sentimentos de culpa. Não era um conquistador, nem dado a leviandades, apenas as coisas foram acontecendo, adquirindo proporções não controladas. Talvez fosse uma fuga, ou uma busca por emoções amortecidas, o jogo sensual da conquista, o sentir-se notado e amado, quando tudo parecia ter se soterrado na relação conjugal. Não tinha dúvidas do amor que nutria pela  cônjuge, isso não estava em questão. Vivia aqueles dias  como um menino empolgado, necessitado de carícias e de erguer, recuperar, a auto estima. Mostrar-se capaz de ser desejado com a mesma intensidade de antes, quando namorava a  esposa, nos ímpetos sôfregos de paixão incontestável... O que havia ocorrido com eles, viraram irmãos coabitando o mesmo teto, impermeáveis aos desejos ?, Atenuantes aos pensamentos culpados, vencido pelo êxtase provocado pelo frenesi do novo, do inusitado romance.
 
 Ela resolvera ceder aos próprios instintos, inconfessáveis segredos íntimos, necessidade de mostrar-se apta a ser querida por um homem, desejada como antes fora pelo marido, hoje indiferente. sempre preocupado com as obrigações, menos com eles mesmos. Sim, ainda o amava, e muito. Contradições por estar ali, na cama com um colega de serviço, também casado ?  As coisas aparentemente sem nexo, contraditórias, voltavam a martelar. Amor seria sinônimo de lealdade, então era indigna de afirmar que amava o marido? Talvez tudo fosse apenas uma convenção. Os sentimentos estavam na convivência, na cumplicidade, nos objetivos comuns, isso não se perdera, apenas arrefecera a libido, a malícia, a sexualidade que se embotara, subjugada pelas azáfamas do cotidiano esterilizante das emoções.
 
O que via naquele colega, além do sabor e fascínio de ser cortejada, alimentada na sua vaidade feminina ? Era uma brincadeira perigosa, um risco que ambos, reservadamente, sabiam que corriam, porém, a adrenalina compensava o desafio. Permitiram-se àquele jogo sensual, que dera vida nova a ambos, contudo, não passaria disso, um entretenimento a dois, sem conseqüências maiores. Esta era a intenção clara, uma gostosa aventura  divertida, prazerosa e inconseqüente.
 
 Duas crianças adultas compartilhando uma experiência em comum, embora vinculados a outros corações.  O calor despertado pelo sexo, sedutora sensação, com requintes de coisas secretas e proibidas, talvez, por isso mesmo, mais interessante e intensa.
 Rejuvenesciam como jovens em namoro, vivendo duplas situações, nos papéis assumidos em suas vidas, a de pais responsáveis e cônjuges dedicados. Apenas vibravam nas estripulias de se arvorarem além do permitido, quebrando tabus, vencendo a si mesmo nas resistências secularmente impostas pela monogamia.
 
Viviam normalmente suas rotinas, não se cobrando por nada a invadir a privacidade de suas vidas domésticas, entendiam-se nos olhares os limites impostos pelas circunstâncias. Curtiam-se no sigilo de seus segredos inconfessáveis. Não se amavam, se desejavam, apenas isso, ( seria pouco ?).
 Tinham a certeza da inconseqüência daqueles atos libidinosos e ousados, certos de que cessariam,  passados os ímpetos momentâneos e descompromissados. Não se cansariam, somente acabariam, quando bem entendessem, sem maiores complicações.
 Todo dependente acha-se capaz de controlar com segurança sua vontade, até ver-se enredado nos seus vícios e sentir-se não agente e sim paciente da dependência.
 Com as furtivas escapadas, não percebidas pelos seus pares, cada vez mais amiúdes e desejadas, começaram a sentir falta um do outro, quando advinham os finais de semana, espaço em que não se viam.
 Nenhum queria assumir, embora pesquisassem sutilmente, como tinha sido o descanso de cada qual, não conseguindo disfarçar a curiosidade, e até  o incômodo, imaginando-se, curiosamente, traídos naquele espaço de tempo em que não se viam. Afinal, eram 48 horas de distância, onde viviam a normalidade de suas relações conjugais junto aos seus.
  A ameaça à paz do relacionamento duplo os visitavam, mal continham-se.
Feriam-se no próprio veneno, afinal, embora traidores da confiança de seus pares, mostravam-se igualmente conservadores e ciumentos, incapazes de se sentirem traídos, ou de partilhar suas coisas com mais alguém.
 Os ciúmes, este eterno estraga prazeres, invadia aquele par clandestino, perigando toda a tranqüilidade do casal, insinuando-se em um simples telefonema, seja do marido ou da esposa traídos. Pisavam em brasas.
 Não podiam verbalizar cobranças, feria o acordo tácito, seria ridículo. Evitavam assumir um para o outro o mal estar que sentiam.  Bastavam os olhares sugestivos e inquisidores, estresse menoscabando a fascinação sentida . Surgiam já as impertinências de lado a lado. A erva daninha começava a grassar no perfumado jardim do idílio secreto.
 Por fim, exaustos das próprias emboscadas urdidas nas armadilhas da convivência, cansaram-se do brinquedo perigoso. Aliviados, desataram os laços, e voltaram ao seio de suas famílias, curtindo os seus bons e fiéis pares originais.
 
 

 

** Publicado em livro em antologia de contos, editora CBJE, Rio de Janeiro, RJ.