Crônica do imperfeito

Essa noite, me vi tentada a pedir uma pizza, imaginem só, justo eu, aquela que não abre a boca pra coisa alguma, e quando abre, saem gaguejadas imensas e horrorosas, mas o inacreditável aconteceu, eu peguei o telefone, disquei, falava ainda que travando, experimentava uma vitória ainda que cheia de tropeços e garranchos vocais. Algum tempo depois, o motoboy vem à porta, trazendo a minha saborosa pizza de frango com catupiry, quem atende o boy é minha irmã, quem também o paga e o despacha. A surpresa: ao abrir a embalagem grossa e destituída de sabor visionário --- Essa não é a pizza que eu pedi! Eu odeio calabresa! O restante da mussarela não passa de resto! Onde está a minha frango com catupiry?! Me encontrei numa situação além do inédito, justo eu, que tanto fujo escancaradamente da comunicação, me vi obrigada a usar outra vez o telefone. Indignada, é claro. Imaginem só, uma gaga pedindo justiça! Fui até o fim, falei, desabafei, ainda que receosa e acelerada. Pronto, em minutos estarei com a pizza que eu pedi com tanto esforço entre meus dentes. É, mas o mar não estava para peixes hoje, ao contrário do que eu previa, minha pizza não chegou, nem cedo e nem tarde, entretanto, ouve ainda uma ligação precisa e ordinária vinda da pizzaria --- Me desculpe, mas o frango acabou, infelizmente não tem como trocar a sua pizza, mando aí em minutos o boy para lhe devolver parte do dinheiro, visto que esta custa pouco menos. E que jeito então senão dizer --- Amém?! Não sou de escândalos, imaginem só, uma gaga barraqueira, algo assim mereceria quem sabe um Oscar! Pus-me então de fronte à pizza “tão graciosa”, cortei-a e degustei em primeiro lugar dum pedaço de mussarela, em seguida, um pedaço calabresa, argh, descontentamento total, uma espécie de fúria tocando levemente em forma de brisa minhas faces, um fogo exuberante queimando-me as pálpebras. Pouco tempo depois, superando o nervoso incumbido, repousei a mágoa e dei espaço pro perdão.
Ressaltando e acrescentando ainda alguma coisa que não pôde se calar nessa miserável história, raciocinem comigo “se o frango acabou, a minha pizza nem chegou a ser preparada, correto?” E pra reforçar essa absurda farsa da pizzaria,” se o frango acabou, como que uma pizza “frango com catupiry” veio ser entregue à minha casa?” Isso sem mencionar a (falta de) qualidade da pizza, com uma aparência de --- “Hey, não me comam, eu sou a única pizza do mundo não recomendada para isso, olhem para a minha massa, eu estou queimada, dura e fina, olhem para as minhas calabresas, sou imprópria para a degustação, eu sou o cúmulo do imperfeito”. Vejam só, uma gaga, sem dó nem piedade, tapiada! Besta que só, tão besta que contudo, seguirá as trilhas da gagueira a vida inteira, e não será capaz de nada pra reverter isso. A minha gagueira é uma burrice adquirida, ou será eu, gaga e burra?

23/09/05