… e no entanto quiseste-me cá fora!
 
Chegam-me saudades
daquele susto de que não me lembro
e do frio que senti,
porque em Novembro
todas as coisas sentem frio,
e eu também,
e saudades do teu regaço,
porque foi nele e no teu abraço
que meu corpo no teu corpo aqueceu.
 
E foi para isso que me puseste cá fora!
 
Arqueaste as pernas,
pus-me a jeito, apertaste os dentes e puxaste,
para que eu soubesse  e percebesse que chegara a hora,
quando as mãos de Conceição,
rodaram suavemente a minha cabeça e me puxaram
para que conhecesse um novo mundo.
Então percebi que chegava a hora do frio
nesse Novembro tão distante.
Para não arrefecer e alargar os pulmões,
as mãos suaves da parteira da aldeia
pegaram-me pelas pernas,
puseram-me de cabeça para baixo
deram-me duas palmadas no rabiote
e embrulharam-me nos panos.
- Belo pimpolho tens aqui, rapariga,
toma… o embrulho é teu!
disse sorridente a delicada senhora,
exibindo-me como se fosse um coelho!
- Toma, o embrulho é teu, repetiu.
Berrei como um desalmado,
não pelo frio que senti,
mas pelo pavor de me afastar de ti.
Só então me tocaste,
aconchegando-me no teu regaço,
tu, que sempre me tiveste,
partilhaste o teu afago, o teu amor
quando os meus trémulos lábios
buscaram o teu seio
no meu primeiro cheiro do teu corpo
na minha primeira fome do teu peito
em busca de alimento, ternura e calor.
 
E foi para isso que me puseste cá fora!
 
Ai que saudade do abraço que me guardaste
que perdura para além da tua morte.
Ai que saudade do aconchego do teu peito,
que perdura para além do meu frio.
 
… E foi para isso que me puseste cá fora,
e foi para isso que me pus a jeito.
 
Ai que saudade desse frio tão distante,
desse Novembro que me tiveste e eu te tive,
e de todos os meses que te tive e me tiveste
e de todos dias que não te tenho e não me tens.
 
Há um bocado de mim que arrefece em Novembro.
Há um bocado de mim que precisa do teu abraço.
Há um bocado de mim que desaparece
em Novembro, em Janeiro, em Setembro, em Fevereiro
e todos os meses que não te tenho.
Há um bocado de mim que precisa do teu olhar.
Que farei para o encontrar,
se quero repousar no teu chão
e não sei onde fica esse lugar?
Por agora deixo aqui esta flor
e nela ficará parte de mim.
Se um dia encontrar esse lugar,
voltarei para levar esta flor,
e com ela levarei o teu olhar,
e para sempre ao teu lado hei-de ficar.
 
 

santos silva
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