Agora não tem como sujar

 


Nunca tive problemas com cores, até atingir a idade de 11 anos, aproximadamente, quando minha irmã, que tomava conta dos irmãos menores, resolveu pintar a casa para o Natal.
Pintar as casas para as festas de final de ano era uma prática cultural onde morávamos. Cada família pintava a sua casa, num ato simbólico, de esperar dias melhores para o ano que chegava.
Os mais favorecidos pintavam com tinta Suvinil, mas era cara “prá caramba” e os outros, que não tinham “bala na agulha” usavam pó Xadrez misturado no cal. De qualquer forma, era uma chance de dar uma limpeza na casa.
Por falar em limpeza, as paredes da nossa casa eram muito sujas, eu tinha até vergonha quando alguém ia nos visitar. Nem o cal e nem o pó colorido podíamos comprar, pois o dinheiro não era suficiente para todas as refeições do dia.
Mas, minha irmã possuía uma coisa de bom, gostava de arrumar a casa e por isso insistiu para que Dona Guiomar, minha mãe, comprasse o material que fosse possível, mesmo que tivéssemos que passar alguns sacrifícios.
O dia da pintura eu não me esqueço. E nem poderia esquecer... Depois que mamãe saiu para o trabalho, minha irmã começou a pintar a casa que logo chamou a atenção da vizinhança.
Todos os cômodos foram, literalmente, pintados de preto.
Os vizinhos assustados falavam:
- Arinda, não pinte a casa dessa cor! Ninguém pinta a casa de preto!
- É, mas aqui tem que ser assim! Não podemos pintar a casa todos os anos. Agora eu quero ver essas crianças sujarem as paredes!
Para completar a situação, ela comprou plástico roxo e forrou as prateleiras, colocando nas janelas cortinas da mesma cor.
Eu tenho em minha memória uma casa pintada de preto com cortinas roxas. Tento relativizar esse gosto exótico de minha irmã na década de setenta. Quem sabe ela não estava à frete do seu tempo? Veja que hoje o roxo está tão na moda. Mesmo sem saber, talvez, fosse da vanguarda. Nunca soube da existência de uma irmã tão criativa quanto ela.
Mas, se é mesmo verdade que as cores interferem no comportamento humano, existe uma hipótese a ser provada: a de que aquela família sofria a interferência da casa pintada de preto.


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Selma Nardacci dos Reis
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