Um Foguete que Cruza o Espaço

Um Foguete que Cruza o Espaço

 

Tenho pensado na redondeza da Terra. A preferência de Deus por essa forma tão perfeita. O mundo é uma esfera. Antes dessa descoberta, homens mergulharam no caos do horizonte, desembocando numa garganta profunda que tragava, impiedosamente, as embarcações.

Em cada tempo, acredita-se em coisas diferentes; mentalidades de época.

A circunferência passou a ser referência para tudo a minha volta. Olhei para o meu corpo e, só em olhar, descobri o globo dos olhos, cabeça, umbigo, nádegas, seios... Um corpo cheio de bolas, com funções distintas, cômodo e móvel.

Imagina um olho quadrado?! Seios triangulares?!  Bebês nascendo de parto normal com cabeça losangular?!

Só de imaginar sinto dores pélvicas.

Busquei, na mente, alguma experiência com as bolas. Viajei para a infância e para as primeiras lições escolares:

“Faz uma bolinha e puxa uma perninha... Faz uma bolinha e puxa uma perninha...”

Depois dessa lavagem cerebral, entendi porque as bolas são tão importantes. “Freud explica!" Passei a ver bolas em todos os cantos: rodelas de tomates, brigadeiros, pirulitos e rosquinhas da Guiomar.

Entretanto, a única bola que me entristecia eram os zeros na escola. Uma discrepância! Como um símbolo tão perfeito poderia ser usado para reprovar?!

Muito estranho os educadores ainda não terem atentado para isso.

Resolvi consultar a Religião, que parecia entender de bolas melhor do que a escola. Nos encontros religiosos, fazer um círculo era símbolo de unir forças, fechar juntos, chegar a um consenso.  Busca profunda pelo transcendente. Mãos soltas eram linhas perdidas no universo.

Cheguei a ensinar que Deus era redondo, por não ter início, meio e fim.

Ele deve ter rido disso. Haja paciência!

Fiquei muito tempo aí, com o pensamento em circunferência, com medo de sair da roda e vagar para o abismo infernal. Cheguei a cantar entusiasmada: “Vamos dar as mãos, vamos dar as mãos...” Mas, com o tempo, passei a entender que não bastavam mãos presas em êxtase infantil e que o que o mundo precisava de pessoas com mentes ajustadas, cônscias de seus deveres e responsabilidades sociais.

Como na matemática, percebi muitos conjuntos vazios, ocos de significados. Não eram as mãos o mais importante, mas a massa cefálica, a “caixa preta”, guardada pelos ossos da cabeça. Esta sim! Deveria ser usada para construir um mundo cultural e social que tivesse mais sentido.

Cansei de círculos teológicos que aprisionavam Deus em espaços físicos pequenos, fazendo d'Ele escravo, gênio da lâmpada para atender desejos.

Continuo vendo bolas em tudo... Mas, como um foguete que cruza o espaço, desejo descobrir o que existe fora dessa esfera, como linha solta no Universo, mas não estou perdida, porque tenho, nas mãos, a ponta, que manejo para onde o meu coração deseja.

Às vezes, a linha se torna sinuosa, mas é porque não estou com pressa de chegar. Quero aproveitar os sobes e desces das montanhas.

Algumas vezes, ela se estica e não vejo a outra ponta que se perde no infinito... Mas, o que é o infinito, senão o próprio Deus! Então, é para lá que eu caminho... Para o Infinito... Livre como bezerra solta no pasto, sem medo de precipícios e gargantas profundas que me possam tragar.

Selma Nardacci

 

Selma Nardacci dos Reis
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