JÁ FUI MUITO FELIZ...SEM CELULAR

O primeiro que comprei era meio tijolo, desajeitado, cinza e só tinha duas funções: ouvir a fala de outros  e transmitir a minha. Pesadão  num estojo de napa me deixava adernado para a esquerda  quanto eu teimava engancha-lo na ilharga. Se teve alguma utilidade não recordo mas do  prejuízo  tenho lembrança graças as ligações demoradas que a benção do meu filho fazia para uma pretensa namorada nos tempo do pós-pago. Eita ferro! Quando consegui vende-lo para receber no outro dia que demorou uns cinco meses  respirei e, estando em nome de outra pessoa,  tive que arcar com mais algumas continhas para que o proprietário não tivesse o nome no SPC & Cia Ltda. Quer dizer, deu um “lucro” danado.
O tempo passou e novamente entrei nessa fria, adquiri um aparelho preto, pretinho,  que ainda tinha funções primarias  da operadora Tess que foi vendida a Claro  da qual ainda sou usuário,  quando a gente já comprava os créditos na euforia do pôs-pago e qualquer  ligação era (e continua sendo) uma facada das brabas.
É claro que estou falando de sua majestade “O CELULAR”.
Com ele tudo mudou, você é encontrado onde nem gostaria de estar e encontra pessoas através dele onde supõe  que elas nunca estivessem , consegue mandar recadinhos bestas a nomes de sua agenda e receber alguns que achava que gente de bem não falaria nem no banheiro, fora as operadoras que te oferecem  de tudo, desde aquela loira sensual  a  sorteio de carros, motos, bingos, dinheiro, etc., fora os famosos Quiz, onde você tem de adivinhar qual a cor do cavalo branco de Napoleão ou de qual lado fica a asa da xícara.
Quando conhecemos alguém, depois de uns dedos de prosa nem perguntamos mais onde mora e sim se tem celular, qual o numero, operadora, plano que está incluído, etc. e,  não tendo,  já é digno de nossa misericórdia, não  está   alinhado às necessidades modernas e a nosso método moderno de afligir  o próximo.
As diabólicas maquininhas não perdoam ninguém. Ligam-te e você está tomando banho, depois vem o sermão, te liguei “N” vezes, não me atendeu, que que foi, que que há, pior ainda se for a namorada ou a esposa que desconfia, muitas vezes não sem razão, que você esta dando o “nó”. A situação piora quando é a gente que liga e supõem exatamente a mesma coisa.
Operam  maravilhas e não vou descrevê-las,  pode ser que enquanto escrevo ou você lê tenham incluído alguma nova ação aos aparelhos, o que subtrairia a atualidade do texto.
Antes do celular as pessoas se falavam  bigode a bigode, batom  a batom  ou bigode a batom e, quando  distantes via macaco preto. Hoje, antes de qualquer coisa liga-se para outro individuo pelo celular e gesticula-se como se o outro  nos visse. Eu  inclusive já fui à casa de pessoas e para chama-las precisei apelar para o aparelhinho, a pessoa não me ouvia gritar por ela nem as batidas no portão mas, tocou o celular, atendeu. Doideira pura.
Não há  lugar onde essa engenhoca faça mais sucesso do que nas penitenciarias. Valem ouro, valem vidas. É de lá que ordenam roubos, mortes, contrabando  e muito mais, só não sabendo  como entram lá, ou melhor, sabem  mas preferem  fingir  ignorar,   neste caso,  as  autoridades. Ou será um caso de tele transporte nos moldes da Enterprise do capitão Kirk, onde eles saem de fora e materializam-se nas celas?  Ficção cientifica?
Quando namorava (Ah! Bons tempos aqueles.)  a coisa era diferente. Funcionava por bilhetinhos, chamados correio elegante que se mandava as minas(Escorreguei no português) e elas respondiam aos manos(De novo, nem existiam), ou verbalmente quando vinham os famosos recadinhos, coisas assim como “aquele cara de camisa preta com pintas da mesma cor quer bater uma caixa contigo”. Coisa horrorosa, mas colava.
Com o celular a coisa mudou. Conseguido o numero basta xavecar e talvez os dois só se encontrem para os finalmente, sem passar pelas prévias, sabe-se tudo um do outro sem nunca encarar-se, ele já sabe até onde ela tem uma tatuagem intima  e ela tudo sobre o maluco.
Segundo dados  recentes  o Brasil tem por ai uma media de duzentos e trinta milhões de celulares e isso quer dizer que tem brasileiro com mais de um. Confesso que já perdi uns quatro, dois pifaram e só tenho um atualmente, chinês, embora eu consiga falar através dele no meu titubeante português e maravilha, funciona! Do total creio que uns trinta milhões os mais também foram perdidos os danificados e, dos ativos, acredito que um terço ou mais estejam com os presos, há crianças que os possuem e nem o operam, os que têm e nem sabem  opera-lo,  os proprietários que sabem  utiliza-lo  e não gostam de fazê-lo.  Se eu continuar fazendo as contas só vai  sobrar dois validos, o meu e o teu e olhe que ainda tenho  desconfianças em relação a você.
O preto e o cinza antigos foram substituídos pelos coloridos, o teclado comum pelo qwert, a gama de  aplicativos nem se fala.
O celular tem um inimigo figadal, o vaso sanitário, isso por que apesar de toda parafernália tecnológica moderna ainda não fizeram para uso popular  um impermeável.  A agua, essencial para subsistência do planeta  não vai com a cara do celular, caiu nela já era. Você não conhece ninguém que perdeu o celular para o vaso? Só de bêbado dá para contar  centenas e quando você vê alguém por um celular no sol é sinal de que algo saiu errado.  Meu amigo banhou-se  com um e na falta de coisa melhor resolveu seca-lo num forno micro ondas. Distraiu-se vendo TV e encontrou, depois de sentir um cheiro indigesto, celular a pururuca.
Tem aplicação além da vida. Salim Mascate, velho vendedor, ao ser informado pelo medico  que teria pouco tempo de vida orientou a família que pusesse seu celular no caixão, junto a ele. Indagado o porquê de tal resolução informou:
-Salim tem conta pra receber de freguês e vai ligar cobrando.
- Pai, disse sua filha Samira, prá onde o senhor vai não dá área.
-Engano seu, filhinha do babai, o meu é Nextel (Depois eu cobro o merchandising).
Duro mesmo é o vizinho gritar para a gente:
- Vê se atende o celular, to te ligando faz uma meia hora.
Sempre fui uma pessoa que detestou mandar cartas, imagine mensagens, detesto teclar naquele espacinho um recado qualquer e falo estritamente o necessário, sem muitas delongas, prefiro papo de frente. De vez em quando sempre há reclamações como sabiamente o daquelas pessoas que postaram: AQUI NÃO FUNCIONA TIM, NEM OI, NEM AI, NEM CLARO, NEM ESCURO, NEM VIVO, NEM MORTO (O nem OI nem AI é por minha conta).