CRÔNICA: "É ÚTIL SER CONHECEDOR DA MALANDRAGEM SEM SER MALANDRO

É ÚTIL SER CONHECEDOR DA MALANDRAGEM SEM SER MALANDRO.

Assisti nos jornais televisivos que um senhor foi morto por um policial quando começou a usar uma furadeira.

Ele comentou com a esposa: “Só falta eles confundirem a minha furadeira com um revolver e foi para a sua sacada fazer um trabalho.”

Isto é coisa de maluco, pois aconteceu em plena batida policial no seu morro ou região, tanto é que provocou este comentário.

Tudo bem, isto não justifica para a sua morte, muitos vão dizer, mas que ele foi de uma petulância e falta de inteligência, lá isto foi.

Eu diria até, já que ele visualizou a possibilidade do evento, que foi
descaramento da parte dele e, no fundo, ele quis tirar “uma” com a policia, pois se você os vê fazendo uma “batida”, próxima da tua casa, o que seria mais natural e aconselhável, para qualquer ser vivente, que não tem nada com aquilo?

Não seria ficar dentro de casa aguardando um melhor momento para sair?

Você não precisa ser bandido, mas você também não pode ser burro. Ninguém é mais ingênuo neste nosso mundo. Você tem que estar ligado com tudo o que acontece à sua volta, principalmente se você mora nos morros ou subúrbios, tanto no Rio como em São Paulo.

Nas outras cidades isto já não é aconselhável, imagine nestas!

Na década de setenta, onde tive a minha adolescência, qualquer jovem tinha que saber se virar, pois, se caísse num camburão, talvez a tua família não te encontrasse mais.

Qualquer um era morto e as culpas nunca eram apuradas, ou eles te passavam como subversivo ou como bandido e morria o assunto também por aí.

Drogas naquela época era novidade e fazia parte de todo o contexto, onde se respirava culturalmente novos tempos; novas formas de se encarar a vida, novas filosofias que ampliavam a nossa visão, nos libertavam daquela “carolice” católica para quem tudo era pecado a não ser o que acontecia dentro dos seus muros, como estão vindo agora à tona.

A minha turma começou a gostar mais de ir assistir à “Santa saída” e os cabeludos começaram a dar o tom.

As drogas eram vistas de outra forma de como são vistas hoje, e eu embora não gostasse da maconha e também nunca me permiti, por auto preservação inconsciente, a usar qualquer tipo de agressão ao corpo, como agulhas etc, mas a minha turma era daquelas mais leves, só do paz e amor, mas era da contracultura.

Era com eles que eu gostava de ficar. Eu era um maluco sem precisar de drogas.

Mas existia uma certa rebeldia ligada ao seu uso, um certo grito de independência interior naqueles que as usavam naquela período. O seu uso era ligados à busca de novos valores.

O mundo passava por uma transformação naquela década, isto é inequívoco.

E este conviver bem próximo da clandestinidade me deu conhecimentos que fazem parte de mim até hoje e me trouxeram tarimba para sobreviver por todos os anos posteriores àquela época.

Muita gente perdeu a vida, pois chegou um momento, como em todas as trajetórias, em que você tem que se adaptar novamente ao ciclo normal das coisas ou você será triturado.  

Em um determinado momento você não pode mais continuar com as opções que teve na adolescência e muitos não sabendo fazer esta transição, sucumbiram. Não foram poucos, o Raul Seixas, um dos gurus daquela época, foi um exemplo, o Tim Maia outro, fora os milhares de anônimos por ai.

Esta transição nem sempre é fácil para muitos, assim como não foi a minha, mas é lógico que é necessária. As doiduras da adolescência têm que ficarem para trás no momento em que ela acaba.
Aqueles que não souberam fazer isto sucumbiram.

Mas este aprendizado eu considero que foi a minha melhor escola. Ninguém era bandido, mas tínhamos que pensar como tal para sobrevivermos. Tínhamos que estar sempre ligado e pensarmos um pouco como policiais também. 

Uma das coisas que a gente deve ter em mente é que o policial, muitas vezes, está com mais medo do que você. Ele é uma pessoa normal, com família para cuidar, com contas para pagar etc.

Eu me lembro, muitos anos depois, já com vinte e tantos anos, estar indo com um amigo de um barzinho para um outro e a policia entrou em cima da calçada, nos cercando e eu falei para o meu amigo: levanta as mãos. e fica quieto. O mesmo quis retrucar sobre os seus direitos, mas o mandei calar a boca.

Eram uns três carros da policia e do carro que parou na nossa frente saíram policiais fortemente armados, mas que ficaram tranqüilos com a nossa atitude, pediram os nossos documentos e nos liberaram.

Custa para qualquer ser humano fazer isto?

Não pode esquecer que eles não sabem a quem estão abordando e, não sabendo, eles tem que virem preparados para o pior, então a melhor coisa que podemos fazer é desarmarmos o espírito deles e procurarmos deixá-los tranqüilos, na medida do possível, sem questionamentos e sem falarmos, num momento deste, como o meu amigo queria, de direitos do cidadão.

Nesta hora o que vale é o “direito de preservação”, depois nós vamos ver o resto.

Temos visto muitas atrocidades cometidas por policiais, que nem podemos chamar mais de seres humanos, mas mesmo assim, como não sabemos que tipo de policial está nos abordando, quanto mais ficar quieto melhor.

Escutei recentemente de uma mãe, que teve um filho morto de forma cruel num recinto policial: “Eu sempre ensinei o meu filho a não ter medo da policia”.

Ela está correta, mas fiquei pensando comigo:

Ensinado a ter um certo cuidado não teria feito mal.Será que ele não entendeu errado esta educação? E por isto não ficou quieto como devia?

Não ter medo é uma coisa, mas ter senso de sobrivência é outra.

Não quero dizer que a culpa é da vítima, mas como não sabemos que tipo de policial nos está abordando; se é bom ou não; se é justo ou não; se está com medo ou não, é melhor erguermos logo as mãos e falarmos o mínimo possível até eles baixarem a guarda.

O senhor da “furadeira” sabia o que estava provocando com o seu ato, tanto é que fez o comentário para a sua esposa.

Morreu por não saber que qualquer policial também tem medo e que, na linha de frente, ele não tem muito tempo para raciocinar e muito menos saber que aquele lance que ele tinha na mão era apenas uma furadeira.

Brincou na hora errada!

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