COMEDORES DE SOBRAS

                                   


 
 


 
 


 
No penúltimo halo da antemanhã,


 
Pessoas saem de seu humilde viveiro


 
Para buscar o combustível do corpo


 
Em um quase longínquo desterro.


 
 


 
 


 
E, ao chegar a seu destino,


 
            A feira,


 
Esperam pacientemente


 
O ocaso da efervescência


 
Da harmonia desarmônica


 
Dos sóis de quem vende e de quem compra.


 
 


 
 


 
 


 
Então, quando advém a hora ansiada,


 
Afluem sôfregas ao encontro do tapete


 
De frutas, legumes e verduras


 
        Que cobre o chão


 
Onde, sob os afagos rudes do dia-a-dia,


 
Rodas, sapatos, pés desnudos ou de sandálias


 
Apressada e inescrupulosamente pisam.


 
 


 
 


 
Ah, e como a fome delas


 
               É canina e ao mesmo tempo conformista:


 
Um ancião desempregado


 
Amaina o vácuo em sua barriga


 
Com uma suculenta manga dormida.


 
Ah, quando alguém se depara


 
Com a horrenda fronte da fome


 
  ------ Sentada no trono de sua opulência ferina ------


 
Deslinda que o nojo é luxo;


 
Não uma alameda a ser seguida.


 
 


 
 


 
 


 
 


 
 


 
Algumas, ao regressar a seu ninho,


 
Comutam refugo em lucro:


 
O que na feira era lixo;


 
Na carente vila de casebres


 
É auspicioso fruto rentável, celeste, divino.


 
 


 
 


 
No entanto, para a hoste de grisalhas


 
Barbas engravatadas e garbosas,


 
Este paraíso da lídima e visceral miséria


 
É nada mais que um moribundo resquício


 
De seu passado sem rosas e azaléias.


 
 


 
 


 
Não, mas estas pessoas:


 
Estas pessoas sabem


 
Que a miséria cintila até o ponto


 
Em que assoma a dor nas vistas;


 
Que ela é viva, concreta, fenece, fere,


 
Queima e alucina.


 
E ela o faz de inúmeras maneiras:


 
Maneiras que a mais poderosa verve


 
Nunca sequer imagina.


 
 


 
 


 
Sim, todavia alheias aos mais atrozes sofismas,


 
Elas prosseguem crentes na vida:


 
Sempre a segurar a ponta do rabo


 
Daquilo que crêem ser a esperança,


 
Apesar do crepúsculo, das mazelas,


 
Das chagas em abundância,


 
Da dor, da amargura e da desabonança!


 
Enfim,  elas prosseguem,


 
Mesmo com o mar infinito de desamor,


 
De inclemência, da ausência de ternura


 
E do culto da sentimental distância.  


 
Sim, estas belas pessoas continuam a hastear,


 
Embora não saibam,


 
O estandarte do vislumbre de uma vindoura era magnânima.


 
  


 
  JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA