A casa onde morávamos
tinha cheiro de coisa eterna
A poesia jorrava pelas torneiras,
pelas tábuas do galpão velho
pelas paredes de alvenaria
pela velha parreira
pelo butiazeiro
Não havia banheiro na casa velha
Havia um pé de cidrão
Uma árvore de sombra
a que chamávamos transparente
Tomava-se mate doce ou com leite
nas tardes sufocantes de verão
Recebiam-se visitas
num tempo em que a vida
não tinha pressa de passar
Meu avô criava coelhos
Eu enchia os bolsos das calças com minhocas
Tomava-se banho nos sábados
numa engenhoca aquecida
à base de fogo e lenha
Houve um cachorro chamado "Sissobra"
Havia um gato que era "Guri"
Meu pai colhia figos
para fazer marmelada
O tanque onde a mãe lavava roupa
era minha piscina no verão
Meus caminhõezinhos
Meu carrinho de lomba
Meu rolo, meu arquinho
Minha lata de bolitas
Minhas pandorgas
Ah minha bicicleta
Minha avó e seus tamancos
Meu Deus
A poesia daquele tempo
continua jorrando líquida
através dos meus olhos
© Todos os direitos reservados