Ensaio sobre o pardal

 O passer domesticus ou o popular pardal é um pássaro de origem no Oriente médio. Considerado cosmopolita, chegou ao Brasil por volta de 1900 e pode ser encontrado praticamente em todo território nacional. Apesar de popular, o pardal não detém muitos admiradores. É odiado pelos agricultores, por devorar plantações, e também pelos “criadores de canários”. E é a isto que gostaria de me ater no momento. Meu tio era um desses criadores de pássaros cantantes, ele odiava os pardais. Dizia que eles, ao tentarem roubar a refeição de seus canários, acabavam através de seu “barulho e algazarra” estragando o canto dos engaiolados. O canarinho passava a imitar o pardal e não mais cantava como seu dono desejava. Além disso, ruminava ele, o pardal é um “afrontador”, invade as cozinhas, rouba migalhas de pão, e até mesmo, abre as panelas de arroz. O danado vive encardido, pois se banha no rio, brinca na terra e voa pela chuva. Mas acho que isso não era o que realmente incomodava o meu tio. O que lhe dava asco era mesmo a insurgência sonora que o pardal causava à suas criações. O canário é um bichinho regrado, come na hora, bebe na hora, tem sua gaiola limpa sempre na hora certa. Está acostumado a uma rotina. O engraçado é que ele até canta nos mesmos intervalos. Gorjeia assim como seu dono quer. Ouvi dizer que tem uns homens por aí, que fazem competições para descobrir qual canário “canta mais bonito”, tem a melhor “entonação” ou “ritmo, e outras bobagens. Fico imaginando se alguém levasse um pardal numa dessas competições. Que cara ficariam? Iriam rir ou se espantar? Talvez se sentiriam moralmente ultrajados. Entretanto, se você para pra pensar nisso, não faria sentido mesmo, um pardal preso numa gaiola. Pois a liberdade está inscrita no seu espírito. O pardal não faz “barulho” como meu tio praguejava, ele canta a própria liberdade. E talvez seja isso que cause tanta indignação aos adestradores de pássaros. A sua subversão! Conheço muitas pessoas-canários e poucas pessoas-pardais. As pessoas-canários são a maioria, seus espíritos estão sempre engaiolados. Adestrados, cantam quando lhe são permito cantar, e da maneira como seus donos desejam. A sua vida é um ritmo uníssono, regrado e perene. Já as pessoas-pardais, são aquelas de mente e almas livres. Que apesar de afugentadas pelos criadores de gaiolas, não deixam de apregoar sua autenticidade através de seu descompasso. Elas criam, questionam, se negam a cantar como todos cantam. E apesar da hostilidade e aversão que recebem, tentam resgatar o canto de seus colegas encarcerados. Às vezes, ideias são como gaiolas e o hábito, um dono. É uma pena que os pardais não existam na mesma proporção de outrora. Mas assim como as pessoas-pardais, eles estão por aí. Fazendo “barulho e algazarra”, roubando grãos, se banhando na chuva e ensinando aos canários, a verdadeira canção da existência.

Vinicius Souza
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