.SAUDADES DE PAI
 
Pai, lembranças de você me fazem chorar
São lembranças que me corroem o peito
E dói muito, pai, como se fossem me matar
Aí, choro a dor que dói, não tem jeito
 
Ontem mesmo, pai, fui à casa em que você morou
Para ver o seu último recanto aqui na terra
As paredes estão todas umedecidas e sem cor,
Chorando a tristeza que a sua falta encerra
 
O seu retrato, na moldura, tal qual um santo,
Não mais sorri, pai, assumiu feições de desgosto
A moldura, sem brilho, roubou da foto o encanto
E o vidro, amarelado, cobre de luto o seu rosto
 
No quintal, só vi folhas secas em movimento,
O seu jardim cheio de flores, não mais existe
O seu pé de pinha, pai, morreu de sentimento
Tudo está morrendo, como morre meu coração triste
 
Lá, não se ouve nem o canto dos pardais,
E o bando de beija-flor, nem por lá passa
A rolinha do abacateiro, pai, não canta mais
Aqui tudo está muito triste e muito sem graça
 
O gatinho que lhe visitava na hora da refeição
Logo que me viu, pai, veio encontrar-se comigo
Ao aproximar-se, foi tomado pela decepção,
Ao ver que não se tratava de seu velho amigo
 
A sua mesa grande da varanda, pai, apodreceu
Sua cadeira de encosto, baixou os braços
Aquele banco em que você se sentava, quebrou
É assim, pai, a vida aqui está em pedaços
 
O seu "radinho", pai, não nos traz notícia boa
A sua televisão só nos traz imagem de guerra
Nesse caos, falta a sua voz que nos abençoa
E sem ela, pai, fica difícil viver aqui na terra
 
Falar dessas coisas, parece não ter razão
Principalmente para você que está aí no céu
Mas são frases, pai, represadas no coração
E o coração não se esquece de um amigo fiel
 
Autor: Wenceslau da Cunha

 
(Homenagem póstuma do autor ao seu pai, Antonio Wenceslau da Cunha falecido no dia 30 de agosto de 1994, escrita em 25 de janeiro de 1995, em Arraial do Cabo,RJ)

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