I
Palavras roucas e energizadas irrompem
À minha revelia,
Tomara seja o grande meio-dia.
Eu não sei quem sou, só sei
Das poucas coisas que quero,
Sobrevivo, e espero.
Abro-me a muros vendados,
Faço-me de burro vendido,
Então vislumbro o rosto atrás das personas –
Apressadas pessoas em seu já habitual prejuízo.
Corpos eu agito,
Contudo, sem copos
Só os surdos escutam meus gritos,
Só os invisíveis da rua percebem os avisos.
A avó, a neta, as desiludidas, todas
Espiam o outro,
Sempre a possuir defeitos
Insuportáveis, levados pelo vento
Até o vizinho, tronco.
Também denunciam o costume vermelho
Que tenta cobrir a nudez que ruboriza
Os selvagens urbanos.
O íntimo brilha
Através da biju e do celular promocional
Na noite, que o destacam na multidão
Atordoada, à toa, dopada.
Dente d’ouro, sorriso nervoso, óculos milanês:
Esconderijos ao bobo freguês,
Deslumbradinho.
E os cães maltrapidos a invejar:
O sol, a brisa, o mar
E o prato cheio.
Não o terno,
Macacão laranja dos vaidosos com pastas.
Mas reprimem: “Ah, vão pastar!”
Duro no ofício, duro no divã, duro na orla
Ou na areia, e claro
No necrotério.
Na autópsia o morto fala, o sangue não mais circula,
Mas finalmente fala,
Pelo que o IML declara.
II
O motorista aguarda, o paciente e o cliente
Aguardam, mesmo o guarda
Aguarda, mas a vaga não aguarda, nem a fome.
Só imperativos deveriam esperar,
Por que gostamos de inventá-los?
Parece tão bom fila pegar,
Nem que seja pra ser fuzilado,
Como é de praxe –
Prática de apostador ansiando o desespero.
No travesseiro é onde seus olhos enxergam,
Porém no escuro não há controle.
Faltam ornamentos, protocolos, símbolos
A denunciar o status e o frenesi
Para isso há aeroportos e táxis.
Ocupação é oposição ao ócio, que é alteridade,
Reconhece os adoecidos
E os solitários, e as úlceras;
Na tela o tolo vê celeridade.
Nem todos descobriram seus bálsamos e placebos,
Mas panacéias são propagandeadas,
Basta um galã, ou uma modelo, anunciar
(Em série celebridades)
A um idólatra blasé comprar suflê,
Sem parar, sem parar. Sem parar!
Enquanto isso, o choro é engolido etilicamente
E a mágoa sai via baforadas;
Os venenos entram e saem,
E a culpa é dos caciques!
Os ecos da infância nunca se esvaem.
O discurso fácil é curto e curtido
Por meio das pichações virtuais.
Vigia-se e pune-se tumulto
No coreto ou nos murais.
Então o papo de botequim tornado gratuito
No folhetim lido por homens-meninos.
O jovem vilipendia a imagem no espelho
E fantasmas irradia, em seu destino.
Para decifrar as coisas do mundo, tão fortes,
Enigmas de morte,
Agarra-se às certezas, sempre miúdas
E tomadas de empréstimo:
Rebento ascético.