Glosas em martelo agalopado

 

É preciso escutar a voz do vento
e da ave que canta a liberdade
O sujeito que mora na cidade
embrutece até o sentimento
Ele escuta somente o lamento
duma ave que ele engaiolou
É mais triste quem nunca escutou
uma ave cantando no seu ninho
Se não fosse o cantar do passarinho
eu seria mais triste do que sou

Sei que eu lhe amar não é delito
mas você recusou cumplicidade
Pra privar-me da minha liberdade
seu desprezo me fez um veredito
Esse crime jamais será prescrito
se assim não quiser meu coração
A distância me fez uma prisão
o abandono tá sendo minha grade
Fiz um túnel na cela da saudade
pra tentar escapar da solidão

Cada um tem na sua própria história
um momento que foi de plenitude
Foi a fase que eu tinha juventude
a mais bela da minha trajetória
O que tenho guardado na memória
desse tempo é só felicidade
porque o tempo da nossa mocidade
é o melhor pra ficar rememorando
Pelos trilhos da vida deslizando
sou um trem carregado de saudade

Eu não pude esconder minha tristeza
no momento da nossa despedida
Em meu peito ficou uma ferida
que não sei calcular a profundeza
Quando ela negava com frieza
que estava fazendo a traição
um pedido sincero de perdão
que fizesse a mim já bastaria
Os garranchos da sua covardia
arranharam demais meu coração

Eu me sinto já quase arrependido
de partir só pensando no regresso
E se eu procurando por sucesso
descobrir que meu sonho foi perdido?
Voltarei lamentando por ter ido
para um canto distante do meu lar
Não deixei o meu pai me ver chorar
no momento que fiz a minha mala
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar

Ela retribuiu com seu desprezo
o amor que não dei a mais ninguém
O punhal afiado do desdém
desferiu no meu peito indefeso
Vou sentindo nos ombros todo peso
da saudade que nunca suportei
O meu drama pungente transformei
no lamento dos versos que eu canto
Quem quiser ter saudade do meu tanto
sofra e ame do tanto que eu amei

Meu pomar, minha horta e meu jardim
quando lembro me ponho a chorar
Vim pra cá sem vontade de ficar
Voltarei lastimando porque vim
É por isso que estou sempre assim
com saudade apertando o coração
Eu só quero voltar para meu chão
donde fui sem apelo desterrado
Fui menino do mato e fui criado
nos rincões esquisitos do sertão

Só quem pode entender o meu queixume
é quem tem alegria no seu lar
Passo hora e mais hora a lamentar
e queixar-me não era meu costume
O tesouro que tenho se resume
nas lembranças que tenho do passado
Se voltar ao lugar que fui criado
eu não saio nem por decreto-lei
Foi com muita saudade que deixei
meu casebre de taipa abandonado

Não desejo, não quero nem preciso
dessa vida agitada na cidade
Não consigo encontrar felicidade
nesta selva de pedra que eu piso
O lugar que nasci é o paraíso
onde outrora deixei meu coração
Quando eu retornar pro meu rincão
da espera serei recompensado
Vou voltar ao lugar que fui criado
pra matar a saudade do sertão

As mulheres que são especiais
são a força da nossa inspiração
conquistando o mais duro coração
com somente atributos pessoais
Vendo nela as virtudes principais
é a quem dispensamos mais amor
que ninguém vai ver nela uma flor
sendo velha, grosseira e feiosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
faz o homem gemer sem sentir dor

Definir a beleza da mulher
é querer limitar o infinito
e nem mesmo o verso mais bonito
poderia cumprir esse mister
Hoje sei que o poeta o que mais quer
é compor para ela um doce hino
porque ser nossa musa é seu destino
cada dia, semana, mês e ano
É por isso que afirmo sem engano
que sou fã do semblante feminino

 

 

Carlos Alê
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