O Biscoito e a Formiga

O Biscoito e a Formiga


O Biscoito e a Formiga
 
Estava eu,  num dia de lazer,  no clube da minha preferência, sentada,  na companhia do Sampaio, quando de repente,  uma formiga chamou minha atenção. Ela carregava um enorme pedaço de biscoito  na cabeça. O peso era maior do que ela podia aguentar. A pequena bailava com aquela guloseima, numa valsa que eu não conseguia decifrar.
Aquele biscoito tinha sido feito lá em casa. Isso porque, eu e meus filhos montamos uma insipiente fábrica de biscoitos. Tudo por conta de uma lata de nata que tínhamos ganhado de uma  moça muito trabalhadeira chamada Suzane Reis Ponce.
Suzane é única. Ela trabalha igual a  homem  preservando a identidade de uma  mulher. Há muito tempo,  ela está  na minha mira, pelo seu desempenho, pela forma como conduz o seu trabalho. Tira leite, roça  pasto, mata porco,  pilota  moto, faz frete,  dirige Kombi e ainda dá conta de seus afazeres domésticos.
A Suzane é como aquela formiga, não fica parada e sempre procura uma atividade, cujo esforço  parece  maior do  que ela.
Fiquei pensando,  como  que pequenos  gestos, mudam o rumo das coisas e provocam ações, formando cadeias de acontecimentos.  Se essa moça não juntasse a nata do leite, que tira religiosamente todos os dias,  não teria biscoito,  e aquela formiga não dançaria  uma valsa desconhecida.
Estamos neste mundo para trabalhar e  produzir coisas. Não entendo indivíduos de mãos vazias que  não apresentam nada de concreto para a sociedade.
Vivemos para servir. O dia que a humanidade entender isto,  o mundo vai virar céu. Mas para servir é necessário que se tenha algo a oferecer. Só oferecemos o que produzimos.
O homem é o único animal que consegue produzir. Somos  bípedes,  e as mãos que balançamos ao andar, não são enfeites para o corpo, são ferramentas de trabalho.
Vejo muitos espaços ociosos e muitas oportunidades aqui em Madalena. Outro dia mesmo, fui visitar uma senhora muito pobre, morando num enorme pedaço de terra em que não havia um  único pé de alface plantado. Sou obrigada a citar o Apóstolo Paulo: “Quem não trabalha, não come”. Pelo menos não deveria comer. 
Quando Pero Vaz de Caminha esteve no Brasil, por ocasião de sua “descoberta”, enviou uma carta ao Rei de Portugal,  dizendo o seguinte: “Aqui nesta terra, em se plantando tudo dá”. Se plantando! O grifo é meu. Porque se não plantarmos, nada dá,  e a fila da Assistência Social cresce.  Tem gente que podia usufruir de uma alimentação melhor se  cultivasse  a terra ao seu redor. Se trabalhasse e parasse de ver novela.
Muitos querem viver igual  a artista. Fiquei boba em ver a quantidade de gente que se candidatou a figurante na Minissérie Dercy de Verdade. Não estou fazendo críticas, achei até legal, ver as pessoas vestidas à caráter e colaborando com as filmagens.  Mas o povo desta cidade deve voltar-se para a sua realidade. Vivemos como se aqui fosse uma grande Metrópole e todos fossem obrigados a consumir os produtos que vêm de fora. O Povo está comprando alface e cheiro verde na feira.
A população que vive na cidade do Rio de Janeiro, onde a terra é escassa, está plantando temperos em vasinhos de plantas ornamentais, enquanto aqui, é difícil arrumar alguém para limpar um quintal. 
Feirantes de fora, ganham dinheiro em Madalena. O espaço da feira no dia sábado deveria ser usado pelo produtor madalenense. Se a feira de fora não desse lucro, já teria sido extinta.
Termino este texto, porque naturalmente, tomou forma de discurso, e eu, ingenuamente,  só queria falar  naquela formiga trabalhadeira, que parece com a Suzane. Então me desculpem pelo jeito, mas vou dizer uma última coisa, para  não morrer engasgada: não somos figurantes, e muito menos, artistas coadjuvantes. Somos protagonistas da nossa própria história e só podemos servir a sociedade,  quando tomamos  posse das  nossas habilidades, arregaçando as mangas e produzindo,  “porque nesta terra, em se plantando, tudo dá.”
 
Selma Nardacci, 28 de janeiro de 2012.

Selma Nardacci dos Reis
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