Meditação




 (à memória de Claudio Rodriguez)
 
Dos olhos e das mãos brotam as coisas:
inocentes paisagens onde a vida
e a mote se insinuam e comprazem.
Feitas indagação, elas entregam
- mesmo longínquas – o fluir constante
do sangue atravessando o pensamento.
De há muito que o sabemos caminhando:
somente a natureza purifica os sons
da chama inviolável que destrói
enganos: uma flor desabrochada,
rapariga no curvo do distante,
calor do oiro na melancolia.
Daí, que a claridade estenda os braços
a resvalar-se à voz: e invada os veios
exaltados da pureza   e bafeje
para que ouçamos dela o sussurrar,
como um astro súbito   inesperado,
como a verdade plena de harmonia.
Em segredo, o pulsar do coração
traça novos destinos entre areia,
reconstruindo a casa à beira do abismo
solidifica a água das correntes.
Em segredo. Os olhos abrem-se mais
e as mãos, hirtas p’lo frio passageiro,
modelam ouro espaço e outro tempo
para que o canto seja eternidade.


António Salvado
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