A DÚVIDA DE UM SEGREDO (CONTO) PARTE FINAL

A DÚVIDA DE UM SEGREDO (CONTO) PARTE FINAL

 

Rapaz criado em pequena cidade, cedo começara a namorar a então noiva, e tudo parecia perfeito. Concursado em serviço público, tinha estabilidade no emprego. Era só questão de alguns acertos financeiros para poderem se casar, como pretendiam. Conheciam-se desde crianças, eram feitos um para o outro, no dizer de todos, inclusive no entender dele próprio.

Não percebera nenhuma mudança de comportamento nela, parecia feliz com o casamento próximo, o relacionamento corria normal. A noiva, para concluir um curso, viajava todas as noites para uma cidade próxima, maior e com melhores recursos. Alguns jovens da localidade faziam o mesmo percurso, buscando a conclusão de seus estudos.

Alegando que as aulas as vezes se estendiam até tarde, na outra cidade, ficava em casa de uma colega,  retornando cedo, no dia seguinte. Isso ocorria em dois dias da semana, habituara-se com isso.

Amâncio era um dos amigos mais próximos, conheciam-se desde a infância, entre eles não havia segredos. Ele próprio empreendia viagens para fins de estudos noturnos. E dele veio uma suspeita que mudaria o rumo de sua vida...

Com muito jeito, escolhendo as palavras visando amenizar a notícia, contou-lhe que a sua noiva era vista com freqüência com um dos professores, e que seria interessante que ele, vez ou outra, a acompanhasse, pretextando qualquer coisa.

Na verdade, queria que ele mesmo visse, não gostava daquela posição de delator, mas, também, não admitiria a possibilidade de vê-lo no papel de enganado. Poderia ser ou não, melhor que ele averiguasse. Achou por bem que o próprio tirasse suas conclusões, fazendo seu juízo. Achava que agindo assim estava sendo correto com a amizade de tantos anos. Levantada a questão, lavava as suas mãos.

A princípio sentiu-se incomodado com a insinuação no ar, ofendera-se calado pela honra da amada colocada sob suspeitas. Não poderia dar ouvidos à maldade alheia, mesmo que viesse de alguém de confiança como Amâncio. Engoliu a seco, disfarçou para não aparentar melindres. Plantada estava, contudo, a desconfiança.

Não confirmou com o amigo que seguiria seu conselho, aliás, tentou aparentar tranqüilidade, em respeito à noiva e a si mesmo. Mas eclodia em seu íntimo, como um vulcão adormecido, em lavas incandescentes, o veneno inoculado nas próprias veias.

A partir de então,  já não era o mesmo, pacato e bem humorado como todos o conheciam. Mantinha-se silencioso, como encolhido em si mesmo. A custo mantinha sua postura frente à noiva, tentando aparentar naturalidade. A olhava atento nos olhos, a conhecia e não lhe percebia dissimulação. Suas noites, todavia, não eram mais de sono solto, confortante. Angustiava-se amiúde com a possibilidade de ser traído.

Resolveu que a seguiria. Iria sozinho, nem mesmo o amigo confidente tomaria conhecimento. Precisava ver com os próprios olhos, porém não queria colocar a lealdade da futura esposa em dúvida para ninguém. Acontecesse o que fosse não era dado a escândalos.

Nos dias em que pernoitava na outra cidade, segundo ela na casa de uma colega, ele a seguiu. Manteve-se à distância, nos arredores da escola, observando o movimento dos estudantes, entrando e saindo. Ao término das aulas a viu em companhia do tal professor, conversavam normalmente, não demonstrando maiores intimidades, apenas seguiam na mesma direção, a do carro dele, pois ela não dirigia.

Ao vê-la entrar no veículo, como se fizesse com habitualidade, impacientou-se, controlando-se para não se declarar aos dois. Voltaria em outras oportunidades, precisava ter mais elementos para não ser leviano e precipitado. Afinal, não contava que ela aceitasse caronas com ninguém, principalmente com um homem, e àquelas horas.

Seu estado psíquico era de um desvairado, não atinava com seus botões. Ora  a entendia, tudo tratava-se de um cordialidade, apenas um obséquio de alguém favorecendo a outra pessoa, para, no mesmo instante, entrar em verdadeira confusão mental, imaginando o pior. A traição, então, se delineava medonha aos seus olhos.

Várias foram as incursões dele, sorrateiramente, a vigiar o par. De pessoa afável e cortês, transfigurou-se açoitado pelas dúvidas, ao ponto de adquirir uma arma de fogo, comprada de um estranho.

Das noites insones que passava a se angustiar com suas apreensões, começou a esboçar uma vindita, exigiria de ambos satisfações, sob a mira do revólver, fazendo ver que ele não era o ingênuo que poderia aparentar.

Amargurado pelas desconfianças, inábil com a arma, postou-se frente à frente com o casal, surgindo inesperado das sombras, em atitude de desespero e ameaçador. 

Da noiva, surpresa e assustada, negando qualquer envolvimento, rogando bom senso, ouviu-se um grito e um desmaio. 

Apenas um disparo foi ouvido, contra a própria perna. Inexperiente com o artefato mortífero, atrapalhou-se com o grito de espanto da moça, tempo que teve o professor, em defesa, atracado com ele para desarmá-lo, ferindo-se com a própria arma.

Foi socorrido pelo suposto amante, que o deixou em um pronto socorro para as medidas de urgência no sangramento. Alegou que o encontrara no caminho, perdendo sangue.

Não registrou a ocorrência, seria uma confissão, tentativa de homicídio, além de temer falatórios e não ter porte de arma. No íntimo agradecia não ter acertado ninguém, além de si mesmo.

Nunca mais procurou por ela, tampouco soube se realmente eram amantes. As palavras dela clamando inocência não surtiram efeito. As evidências, em sua alucinação, falavam mais alto. Preferia acreditar que agira em desatino pela traição, antes instigado pela mente insana, que por provas conclusivas. 

Mudou-se da cidade, envergonhado com sua sina, herdando a indesejável deformidade física.

A crença que fora traído, de si para si, atenuava o ato tresloucado, não o justificava. A hipótese da inocência dela agigantava seu desatino, doía-lhe muito mais, a perdera inutilmente.  Mas, no íntimo, a dúvida persistia incômoda.

Era visto caminhando lento, com seu segredo, sua dúvida, e a perna arrastada, imerso em seu inferno pessoal...

 

PELA EXTENSÃO DO TEXTO, DIVIDI EM 2 PARTES, FAVOR LER A 1°

GRATO PELA LEITURA,

EDILOY