Tão feminino, tão puro.
Acham estranho.
Seus lábios vermelhos
como um corte na carne branca,
olhos que atravessam o vazio.
Nácar amável!
Marcado pela insanidade das massas,
de tuas feridas brota o sangue dos que virão -
Cabelos, cabelos, cabelos.
Em solução translúcida a metamorfose:
o couro se torna onda,
as rugas, pétalas.
Corpo lunar de memórias apagadas,
azul, luminoso, insone.
Você não sabe o que é amar?
Você nunca tentou?
As peles foram atiradas, uma a uma, como cascas.
A ressurreição é uma coisa fria.
A noite é fria.
E nela se revela a natureza dos répteis,
que brilha, se aquece aos poucos.
Você era uma lâmpada fluorescente.
E eu era só uma coluna do The Observer,
Esperando para ser lida.

Seus olhos de sol continuam fixos naquele ponto,
Deve ser o céu.
Qual daquelas luas é a mais bonita -
A maior.
Qualquer uma delas deve morrer de inveja ao te ver.
Mas você continua imóvel,
frio, quente,
Como um gato que acabou de sair do banho.
Está morto?
Não, não está, posso te ouvir respirar.
Seu coração está calmo, como num sonho.
Acho que na verdade tudo é um sonho.
Eu não vou deixar você ir, então.
Não quero acordar e ver que tudo não passa de vapor
Enquanto o vapor que sobe da terra é doce,
Pois tenho você ao meu lado.
Vamos deitar nesse gramado cheio de clichês.
Vamos contar as estrelas, eu e você.
Vamos fechar os olhos e fingir que somos só um.

Mas você não me responde...
Por que tudo isso?
Essa umidade, esse calor, esse silêncio.
Dá pra ver os grilos pulando daqui; não é verão.
Está ficando frio;
você está nu.
Quer que eu traga um cobertor?
Assim, no meio da noite,
não é perigoso.
Em nossa barraca tem um.
Só que não quero parar de sentir esse cheiro de almíscar
impregnado nos seus cabelos de bebê.
Eles têm gosto de chocolate.
É como meu porto -
essa presença calada, delicada, doce,
essa presença onde me sinto segura.
As flores são assim, apesar de tudo
você ainda me machuca, com essa indiferença.
Como uma rosa, cara, como uma rosa.
Suas folhas ácidas, suas cores pálidas,
seus espinhos rígidos.

Ao menos eu tenho seu calor em minhas costas.
Você não me percebe.
Como a princesa das histórias,
Esperando, olhos nus, pelo príncipe que não chega.
Ele não vai chegar; os príncipes preferem as loiras.
Dizem que os homens preferem as loiras.
Mas você parece não se importar com meus cachos vermelhos.
Se importa?
Você não se importa com nada.
Assim vou acabar perdendo as esperanças.
Você não tem piedade, como pode ser tão cruel?
Como eu posso ser tão cega?
Está tudo quebrado, quebrado, quebrado.

Assim como na lenda de Pigmaleão, o amor pode vir de qualquer lugar. Para ser lido com cuidado.