Seus olhos... negros olhos...


... vou falar sobre os olhos, e só sobre os olhos.

E por que falar sobre os olhos e não sobre as mãos? Por que os olhos e
não o coração? Por que, se são as mãos que tocam e é o coração quem
parece que sente? Então, eu respondo dizendo que eles foram escolhidos
para protagonizar essa nossa "conversa" porque são os únicos que podem
tocar a distância, são eles que transpassam os limites do horizonte.
Enquanto, às vezes, o coração se perde no infinito e as mãos suam sem
saber o que fazer num raio de um metro, os olhos podem passear pela
lua ou penetrar a alma. Enquanto, às vezes, o coração se perde em
infinitas mentiras, os olhos são duas verdades que se encontram no
infinito.
Ou serão duas cerejas metafísicas? São ou não são, eis a questão... Só
tenho mesmo a certeza de que os olhos são nosso tacto à distância, mas
deixa prá lá que eu já estou delirando muito e ainda nem comecei a
carta.

Nos olhos repousam a Íris e a Retina. A Íris é quem percebe da luz e a
Retina é quem guarda essa luz nas nossas memórias. Eu, pessoalmente,
gosto muito da Íris e da Retina, pois sem elas não teria a exata
dimensão de como é esse alguém que me faz sentir assim tão confusa
nesta belíssima manhã.

Ah, há também o Cristalino. Este não sei bem para que serve, mas se lá
está deve ter alguma nobre função, sem contar que também tem um nome
bastante bonito, a exemplo das amigas Retina e Íris. Pois é assim,
Íris, Retina, Cristalino e a indefectível Pu-pi-la. Belos sons têm os

olhos, não acha? Deve ser por isso que há tantas canções falando
deles, de seus efeitos e, engraçado, até de seus defeitos! Lembra-se
da música do Chico Buarque? -

amo tanto e de tanto amar
acho que ela é bonita
tem um olho sempre a boiar, outro que agita
tem um olho que não está
meus olhares evita
e outro olho a me arregalar sua pepita...

e por aí vai.
Se por um lado provocam sons, os olhos também ouvem. Coisas que não
queremos pronunciadas nem mesmo entredentes, às vezes nos calam fundo
no peito porque nosso olhar obrigou:

Quando olhastes bem nos olhos meus e o teu olhar era de adeus..., ih,
olha eu atacando de Chico Buarque novamente. Estou sendo pouco
original...

Mas, voltando ao menu principal, os olhos também têm paladar. São
através deles que alguns pratos nos seduzem. Aliás, deveriam proibir
fotografias dos pratos nos livros de culinária. São um grande engodo,
pois nos águam a boca e nunca conseguimos fazer igual. Falando nisso,
só depois de adulta fui descobrir que na produção dessas fotos as
alfacinhas e tomatinhos são devidamente maquilados, escovados,
penteados, perfumados etc e tal. E pra quê? Para agradar aos nossos
olhos, é óbvio.
E olfato? Quem pensa que olhos não têm olfato está cego do nariz
(desculpa mas não resisti). No momento em que escrevo esta cartinha e
olho para a sua fotografia (tirada da internet), é-me impossível não
sentir o bom e sedutor perfume que sempre te acompanha. Engraçado,
consigo perfeitamente sentir, através do olhar, o aroma do perfume que
você usava naquela  noite. Olho pela janela. Segundo andar, vidraça
fechada e o nariz entupido pela constipação. Sinto seu cheiro no ar
que rapidamente me seduziu e que me faz tão bem. Olho outra vez prá
você, lindo e luminosamente negro ou negro  luminosamente e sinto o
teu perfume de ontem. Os olhos podem tudo, querido...


Olhos são assim, profundas lagoas de paz.
Olhos também são fúria. O olho do furacão. O remoinho. O coração.

Olhos são cores. Azuis, castanhos, negros, amarelos, verdes, os teus - únicos.
Olhos são pérolas. São pares de estrelas.
Olhos são pedras. Esmeraldas, turquesas, onix.
Olhos são diamantes. Negros ou claros. Já, os teus: raros.
Olhos são sonhos. São eles que se movimentam enquanto os sonhos
"alimentam de horizontes o tempo acordado de viver". O tal do REM,
conhece?
Olho é sabor. Ou o que serão "olhos amendoados"?
Olho é forma. Ou o que serão olhos amendoados? Olhos rasgados?
Olhos são esperança. Principalmente quando temos febre e precisamos de
um olho clínico.
Olho é sentimento. Olho é brilho e lágrima, o brilho da lágrima, a
lágrima da alegria, a lágrima do lamento. O olho marejado, a emoção
reprimida. O olho é o olho é o olho é o olho. Pena que atualmente
estejamos cada vez mais eletrônicos em nossos olhares, mas vamos
tentar olhar isto de uma forma otimista, certo. Afinal, as coisas
sempre acabam bem, e se não estão bem é porque ainda não acabaram.
 

Mari Medeiros
© Todos os direitos reservados