No gotejar das migalhas do tempo

No gotejar das migalhas do tempo

 

Hoje, não quero me limitar ao meu cotidiano,

Eis que o vejo restrito ao momento de meu nascimento,

E ao findar dos meus dias,

O que numericamente me faz mais próximo do finalizar.

E não me engano na palavra, não uso o termo ‘fim’, mas finalizar,

Tal como não usarei o vocábulo ‘começo’, mas começar.

Portanto, umas tantas ações e seus movimentos contínuos.

Eis que contemplo o que temos aversão, a suposta morte,

E por que colocar no condicional?

Para que não seja sinônimo de fim.

E nisto, não quero transformar em definição ou conceito,

Já não me interesso muito no que ela venha ser,

Afinal haverá de ser, percebo que dia acreditei ser ela castigo,

Mas qual estranho é esta punição que nos iguala em sentença.

Eis que então com o sorriso maroto,

Com um olhar de soslaio a espreito,

Com alguma infantil curiosidade de como será sua ‘vivência’,

E longe de querer ser inoportuno ou mórbido,

Apenas vejo meu rosto no espelho,

Tal como vejo na face da minha geração o tempo chegar.

Uns tantos já idos, oh saudade!

Não estão, mas os que frutificaram em nossa memória,

Parecem estarem tão próximos

Como que desprezando sua sentença final,

De tão vivos que parecem estar.

Enquanto outros, o esquecimento parece nos abençoar.

Ser humano, é um incômodo de ser,

Pois não se trata de cultura ou razão,

Mas de consciência e livre arbítrio,

Uma potência de vontade nos faz existir,

Vivo assombrado por meu próprio espírito,

E nisto julgo estar o ‘conhece-te a ti mesmo’,

E assim mesclo relativas certezas e a fé que vai além de mim,

Tentando desvendar o caminho

Em que justiça e amor se unam.

Não sei se uma possibilidade, ou transloucada utopia.

Mas em sendo livre para sonhar,

Sonho o que quero, imagino o que a intuição me traz,

Vago como que perdido de meu corpo biológico,

Mas é assim que me encontro,

E o ‘nada sei’ parece me confortar,

Olho para o céu, tal como filho pródigo,

Não anseio, não julgo me caber mérito,

Pois que ainda que houvesse seria pela graça.

E então ao dizer tão pouco nestas libertas linhas,

Talvez nada diga para alguns,

Diga algo para outros tantos,

No anseio de dizer algo para o silêncio de mim.

Algo que desconheço, mas que de algum modo,

Parte de mim parece saber,

Ainda que seja muito pouco em significado,

Ainda que se fique a brincar em um pensar dialético,

Entre a ilusão de viver e a ilusão de falecer,

Sobrepondo sobre ambas a possibilidade de uma consciência,

Que amorosamente se aconchegada

Sente um abraço entre criatura e Criador.

02/07/2023

Gilberto Brandão Marcon