" Amava Ralph, e ele não a amava."

" Amava Ralph, e ele não a amava."

“(...) Assim, a visão da humanidade pareceu, de algum modo, ligada a Bloomsbury, e feneceu distintamente quando ela cruzou a artéria principal; então, um organista atrasado, de Holborn, pôs seus pensamentos a dançar de modo incongruente. E ao atravessar a grande e nevoenta praça de Lincoln’s Inn Fields, estava fria e deprimida outra vez, e horrivelmente lúcida. A escuridão removeu o estímulo da companhia humana, e uma lágrima chegou a escorrer-lhe pela face, acompanhando a súbita convicção de que, no fundo, amava Ralph, e ele não a amava (...). Mas as luzes do seu próprio edifício logo a reanimaram. Todos esses diferentes estados da alma ficaram submersos na profunda maré de desejos, pensamentos, percepções, antagonismos, que varria perpetuamente a base do seu ser, para alçar-se, proeminente, quando as condições do mundo superior lhe eram favoráveis. Transferiu para o Natal a hora de pensar com clareza, dizendo consigo, enquanto acendia o fogo, que é impossível pensar com seriedade em Londres. Sem dúvida, Ralph não viria para o Natal, e ela faria longos passeios a pé pelo campo, e resolveria essa questão e todas as outras que a confundiam. Entrementes – pensou – levantando os pés para botá-los no guarda-fogo, a vida era cheia de complexidades; a vida era uma coisa que cumpria amar até a última fibra.”


Virginia Woolf - Noite e Dia ( pág. 134)

Editora Nova Fronteira / Tradução de Raul de Sá Barbosa

Eloisa Alves
© Todos os direitos reservados