É noite, um vulto perambula pela cidade deserta, sua aparência não se revela, sua sombra se confunde com a das árvores, faz frio, uma neblina densa cobre as ruas escuras que tem somente como luz o leve brilho da lua, esta que tenta espiar o vulto por entre os galhos secos das árvores, numa tentativa os Deuses sopram uma brisa fria, para ver se avistam aquela face obscura, mas é impossível, pois ele perambula entre as sombras, o que faz com que ele faça parte da paisagem nada romântica que compõe a cena .Passa das quatro da manhã, a insônia é sua companheira inseparável e, faz dele um filho da noite e escravo da solidão, mas algo acontece, o silêncio que antes imperava é levemente quebrado por um som atípico para a hora, era um som diferente , ele não sabe bem o que é, mas tenta imaginar, pensa estar sendo seguido por alguém, por um momento ele teme, mas logo toma novamente seus pensamentos tristes e solitários.
Sem pressa ele caminha em direção ao lago da cidade, como costuma fazer quando está triste, ou seja, na maior parte do tempo, ele caminha pelas ruas de paralelepípedo que já estão bem maltratados pelo tempo, o cheiro de mofo das antigas construções que ali estão lhe é como perfume, num gesto nostálgico ao chegar próximo ao lago ele respira fundo, como quem chega a um jardim, mas ele sente algo estranho no ar, nunca o sentira antes o que o faz ter uma certa insegurança, afinal trata-se de um filho da noite, não há o que temer.
Ele olha para outro lado do lago que fica a poucos metros de onde está, avista um vulto, de forma aparentemente feminina, o que lhe chama atenção, de longe é como uma pintura que encanta seus olhos e faz pensar em coisas que nunca pensara antes, vagarosamente ele se aproxima da mulher, na medida em que ele chega a ela, a uma beleza arrebatadora, se revela quase cegando seus casados olhos, a bela mulher tem um rosto familiar, mas ele não consegue identificar de onde, ele admira aquele corpo que tem forma perfeita, curvas bem desenhadas, ela o olha nos olhos e é como se já estivesse tido com ele inúmeras vezes, ele sente o mesmo, e um clima ,mais íntimo paira sobre eles e num momento de paixão se aproximam e se beijam, a mulher corresponde aos gestos e se afastando depois de um intenso e quente beijo ela fala com ele, mas a voz dela não sai, ele tenta ouvi-la mas não consegue, assim ela se afasta como se pudesse flutuar sob a densa neblina. O jovem então acorda suando frio, percebendo que tudo não passara de um sonho, ele pensa estar ficando louco, levanta de sua cama olha o relógio e já passa das três da manhã, ele caminha até o banheiro, de cabeça baixa ele acende a luz que incomoda seus olhos, abre a torneira, e lava a nuca respira fundo e, lentamente abre os olhos e vê em seus lábios as manchas de batom da mulher do sonho, percebe ele que encontrara então com a sua amada ainda não encontrada em sua vida, mas que ansiosamente ele aguarda.