CANTIGA DE UM MARCENEIRO

CANTIGA DE UM MARCENEIRO

Talhei uma mesa, nela coloquei alimentos saciei a fome, coloquei flores
Com graminhos talhei uma casa, abriguei sonhos,
dormi no chão, vi estrelas pelas frestas.
Uma janela também talhei, e o céu de azul pintava a vidraça,
e a brisa fresca secava meu suor.
Dessa janela, via caminhos, via o outono,
a primavera e outras estações.
Se fazia frio, sabia que era inverno,
 talhei cadeira de balanço para esperar o verão
Pisei no solo talhado por mim, ali ouvia meus passos,
e quando não, ouvia minha voz e as vezes meu choro,
 mas fui eu que talhei
E voltava quando queria, quando podia, agora nem sei.
Talhei colheres, pratos e bandejas,
 levei alimento ao meu corpo, também dividi com outros,
 lavei o prato (não cuspi no prato que comi)
ofereci na bandeja as mais deliciosas frutas,
 e guardei o olhar de agradecimento.
Dos ingratos, joguei no lixo os restos para não lembrar.
Dos gratos, escrevi que foram mais nobres do que o amor
Talhei a cama que deitei, e no silencio da noite,
 refleti, chorei e pensei.
E quando amanhecia, do caminho que via,
tinha volta, mesmo capenga, mas inteira
Talhei degraus , e quando tropeço e muito mais que  sorrisos,
sinto mãos estendidas.
Talhei portas, maçanetas também,
mas de tanto vai e vem, nem sei se vou e como sair
E se for voltarei também?
Talhei nas lembranças amizades que nunca se findarão.
Porque na eternidade talhei nomes que nunca apagarão.
Talhei ainda que viva, muito tenho que talhar ainda.
Lira Vargas.