ODE DO AMOR POSSÍVEL

 
Queria ter competência para escrever-te uma ode de amor
Ter o imprescindível dom de emocionar-te
Encantar-te através da cor e do som
Transmitir-te franca ternura por cânticos e letras
Ser teu melhor e mais afinado menestrel
Frasear-te harmonicamente em prosa ou verso
Enfeitiçar-te como um caçador de sentidos
Provocar-te choro, soluços e risos
Instigar-te profundos e loucos suspiros

Queria ser um homem bem bonito
Daqueles que fazem teus olhos piscarem
Imaginando-me teu único e derradeiro príncipe
Ou, quem sabe, seria aquele malandro fluente
Um gatuno ladrão de teus apetitosos beijos
Que incitasse tua pele a enérgicos arrepios
Desnorteasse o reto caminho de tuas pernas
Levasse teus pensamentos a atos inconfessáveis
Arrebatasses nua e tesa aos puxões à minha cama

Queria ser teu único e melhor amante
Do tipo que te arruína, que te rouba a razão...
Já vejo teus lábios trêmulos, as coxas bambas
Extasiada e escrava de mim, após tirar-te o fôlego
Suplicarias descarada que invadisse tuas entranhas
Depois, amuada e contraditória, rogarias para que não me fosse
E eu? Como um primal macho faria o favor de  possuir-te...
Numa mágica cópula eterna, rumo ao fim de tudo
Até o último fio de tua dedicada existência
 
Poderia ser o homem por ti escolhido
Aquele que conheceste desde a infância
Viu-te crescer entre laços e bonecas, beijou-te o umbigo
O menino que viste tornar-se homem e viu tornar-te mulher
Ao teu lado estudou, correu e brincou e secretamente desejou-te
Carregou teus cadernos, terno beijo-te a face e apaixonou-se
Conheceu teus pais, e temeroso de um não, pediu-lhes tua mão
Comprou-te aquela pequenina casa, almoçava macarronada aos domingos
E foi o amoroso e responsável pai de teus filhos

De verdade, verdade mesmo, queria apenas ser eu mesmo
E ainda assim que te interessasses por mim
Pelo que sou, pelo que quero tornar-me
Que por sua arrebatadora força, bastasse minha paixão
Suficiente fosse minha docidão
Relevável minha paralisante timidez
Suportável meus truques e defeitos
Conquistaria-te por meus próprios méritos
Fruto natural do encontro de desejos sublimes e sub-humanos
 
Gê Muniz