Surpreende
O ser humano ser o condutor da palavra
Ter inventado o telefone, o fax, a canção
E ser tão ignóbil em sua comunicação
Surpreende
a espetacular visão do pôr-do-sol
ao lado do bloco maciço de fumaça turva
que o capitalismo lança no ar
Surpreende
o que se chama amor e faz marejar os olhos
de face colada ao ódio que desfacela vidas
interrompe lidas
será que o homem algo entende ?
A mulher subentende
pedras côncavas
a mulher e o homem
ambos sabem por onde caminham ?
Surpreende
o que é diferente
de um ponto de vista persistente
Um ponto de vista é apenas um ponto
na complexa teia de fios entrelaçados
das visões humanas
abertas ou fechadas
esvoaçantes ou trancafiadas
turvas, embaçadas
ou reluzentes , ampliadas
uma massa humana embolada e disforme
se avoluma na Terra
Surpreende
a existência de um espaço privado
onde ainda se pode sorver
o aroma de chuva da serra
nutrir a virtude que há no silêncio
a madureza da espera
sentimentos afunilados
se empilham aqui e ali
deslocamento de medos
sublimação de sonhos
camuflagem de segredos
sufocamento de anseios
gente que corre, corre mais
idas e vindas frenéticas
para que tantos ais ?
não há nada de original
sob o firmamento
tudo que se vê
é reflexo borrado, reinventado
do que sempre existiu
obras envaidecidas e desvairadas
do humano pensamento
rabiscos mal traçados
de cada efêmero momento
Surpreende
o poema que fala de fezes
ninguém quer saber das próprias mazelas
é temeroso entrar no estado de graça
o que cura pode deixar sequelas
é mais fácil aquietar os demônios
do que exorcizá-los
* Úrsula A. Vairo Maia *
* Respeite os direitos autorais. ESTE POEMA ESTÁ REGISTRADO NA BIBLIOTECA NACIONAL