Eu, pássaro pintado: a alegoria de Kosinski

O menino é enviado
Para safar-se dos alemães.
Perde-se.
Vagueia.
Olhos negros.
Cabelos negros.
Terra de seres alvos:
Pássaro pintado.

O pássaro retirado aos seus,
Pintado, e novamente em liberdade.
Perseguido e bicado.
Até a morte.
"Sou um dos seus!"
É.
Talvez.
Não parece.
Não o reconhecem.

Kosinski narra.
Viveu, conta a história.
Denso.
Sua história.
Nossa história.
Sou o menino.
Sou o pássaro pintado.
Somos.


Jerzy Kosinski narra de forma enxuta, mas marcante.
A alegoria, quiçá encarnada, remete-nos aos eventos mais diversos.
A Polônia de 39 existe, ainda hoje, em toda a parte. Está no Brasil, em cada um de nós. Eles apenas levaram às últimas conseqüências o que nós todos chamamos de uma vida normal.
A normalidade admite a não-aceitação dos contrastes. Admite o mensurar o outro pela observação da cor das penas, ainda que sejam, originalmente, iguais às nossas.
Não é uma alusão à cor da pele, mas uma referência mais ampla, que nos separa em grupos fechados, em equilíbrio. Equilíbrio sutil.
Nesse contexto, todos, em alguma ocasião, somos o pássaro pintado.
Não apenas o outro, mas o diferente, o intruso. Aquele que, de alguma forma, ameaça a igualdade de forças estabelecida.
É o mote que nos separa.

Limitar-me ao meu mundo e aos meus instrumentos. Trabalhar o pensamento e a palavra. Transformar-me, a mim. Tarefa já árdua.