Vão-se anos que decidi bastar-me a mim mesmo. Sair de cena de alguns espetáculos da vida, sentar-me na platéia como um mero espectador e assistir a vida encenar seus shows. Não, não há com essa atitude, nenhum tipo de desconforto, desânimo, resignação perante a vida, ou algo assim; tão somente passei a crer que existe uma fase em nossas vidas onde ganhamos uma visão privilegiada para descobrirmos que a felicidade não está assim tão fora de nós, como às vezes cremos. Parece existir algo interessante, como se, à medida que vamos superando as fases da vida, outras regiões do córtex cerebral vão sendo gradativamente ativadas, entram em atividade. O espírito redime-se, parece sentir que já conheceu muito da vida, que já viveu tudo e então resguarda-se desprovido dos substratos e dos arroubos alvissareiros tão frementes em outras fases da existência humana. Alguns ganham um olhar sereno, perscrutador, como o do sábio que parece ter a dimensão exata de sua sapiência e a convicção de que já cumpriu o tudo traçado para os desígnios de sua vida.
Ando beirando essa fase, não que eu – pobre mortal -, tenha alcançado esse grau de elevação maior, mas sei, eu bem sei, que ao longo do tempo a mim concedido até o momento, amealhei tudo, ou quase tudo que a vida tinha para me repassar em forma de aprovações. Estive atento a cada investida, a cada momento, sem desperdiçar um lance ou uma chance que me propiciasse uma forma qualquer de autoconhecimento.
Se a graça nunca nos chega de graça, - como sustentam algumas correntes filosóficas -, sem dúvidas, fiz jus aos méritos a mim consagrados - poucos, reconheço, - mas esse quase nada me consagra certa sensação de serenidade, de paz mental, emocional, espiritual. Se desatinos cometi ao longo dessa jornada, suas conseqüências não encontraram sustentabilidade ao ponto de impregnar em mim sentimentos de culpas, remorsos, algo nesse sentido. Nada foi minimamente consistente para assolar a consciência e se ela ( a consciência) em nada nos acusa, em nada nos cobra, podemos então deitar a cabeça e dormir o sono dos tranqüilos.
Naturalmente, quero crer, devem ser árduos os caminhos que nos levam a adquirir o olhar do sábio. Não disponho sequer de bússola para norteá-los, mas apostaria seguramente numa rota: permanecer sempre na guarita da observação, em permanente vigília, colocar todos os interruptores dos radares psíquicos em on. Captar, assimilar, incorporar o sumo das lições que a vida nos oferece, como se todos os dias fossem minúsculas existências.
Até parece ser uma tremenda pretensão de minha parte tentar alcançar esse olhar sábio. Não, não é bem assim... mas sempre chamo para mim tudo que pode engrandecer-me nesse propósito; às vezes até impulsivamente, como a querer antecipar, saltar as etapas que divisam as fases de crescimento, desenvolvimento e amadurecimento do ser humano. Suponho, entretanto, que não convém atropelar o curso natural da vida, dos seus estágios, dos seus ciclos. Cada um desses portais deve ter lá as suas peculiaridades, como se fossem ciclos contínuos e interdependentes, embora por vezes tenho me deparado com criaturas excepcionais que transmitem uma sensação enorme e absoluta de maturidade, de sapiência incrivelmente espetaculares, como se estivessem além do seu próprio tempo existencial, como se tivessem quebrado o ritmo, o processo natural das tais fases de desenvolvimento pessoal, mental, psíquico, espiritual. Naturalmente são casos esporádicos que fogem a trivialidade do convencional.
Apesar das agruras com as quais nos deparamos ao longo das etapas do viver, parece prazeroso vivê-las em sua plenitude, no compasso, na cadencia e no ritmo natural da vida. São espetaculares, por exemplo, os sonhos que douram a cabeça da mocinha que vive o auge de sua adolescência; são fantásticos os arroubos do mocinho que sente as forças da jovialidade latejarem em seu corpo; é esplêndida a sensatez, a transparência, a sapiência de vida que reluz no olhar do sábio, esse simples mortal que impôs o diferencial na sua existência, ao amealhar todas as lições adquiridas ao longo de sua trajetória de vida; que viveu regido pelas leis de suas verdades; que, enfim, simplesmente não só passou pela vida.