A BOLA DA VEZ... conto 1ª parte

Aquele homem de meia estatura e de físico atarracado, careca onde já ostentou um cabeleira black-power, à qual se referia aos tempos de sua distante juventude, com a calça boca de sino, a fivela saliente do cinturão, a camisa colada ao bíceps fizeram sucesso frente ao mulherio. Negro trabalhador, de virar a noite na labuta, serviços de elétrica e montagens, aventurava-se em vários ofícios, alvenaria e hidráulica, colocação de azulejos, embora a especialidade fosse eletricista, tinha formação técnica na função. Mulherengo de carteirinha, onde o celular tocava indefinidamente com chamadas de tantas, a tal ponto de lhe perguntar como não se confundia ao atender, tirando-lhe sorrisos orgulhosos da exibida virilidade. Agenda sempre apertada, cochilos no trabalho para espantar o sono de noites insones. Conquistas reputadas ao seu desempenho nas pistas de danças, forrozeiro e sambista de tirar o fôlego e atrair as atenções femininas. Elas gostam de homens versados nas artes da dança, comentava cioso do assunto. E colecionava fãs, apesar de ser casado há anos com uma prima, e pai de um casal de filhos e de um enteado que criava, todos já adultos.

Agora, gaguejante, prestava o depoimento na delegacia da mulher, sob minha assistência para não se comprometer ainda mais junto a lei... Teve sorte, a mal encarada delegada, pessoa séria, óculos de lentes grossas, de visível buço escuro, passou a tarefa para o escrivão ( mulheres costumam ser severas com maridos infratores). A custo consegui intervir para amenizar os fatos, não se sentia culpado mas vítima e sua prepotência poderia atrapalhá-lo ainda mais.  Expulsara, tardes horas, a esposa de casa, sob os impropérios de cabra traído, aos berros....As roupas jogadas escada abaixo. A residência tinha vizinhos próximos, não faltaram testemunhas, escândalos sempre tem plateias. Cercado de familiares, amigos ursos, moradores no mesmo quintal, que o queriam ver pelas costas, coisas da inveja, confidenciava enraivecido.  Do incidente restou um boletim de ocorrência, a investigação e o risco de ser enquadrado na Lei Maria da Penha... “ A vagabunda me põe chifres e ainda sou processado?”  Resmungava como se fosse um santo injustiçado. Sarcástico em meus comentários, detive-me para não espezinhá-lo ainda mais, mas pensar, confesso, pensei: aquele dom Juan estava sendo corneado, é, como diz o ditado popular, santo de casa não faz milagres...Sorri refreando a incômoda gargalhada. Nos tempos das vacas gordas, profissional procurado e bem pago, serviços grandes de lojas em shoppings, mantinha conta secreta em banco para não deixar vestígios de suas gastanças extraconjugais, não permitindo que as correspondências bancárias chegassem ao seu endereço; época boa, lembrava-se saudoso. 

Foi numa festividade de final de ano, aquelas em que geralmente a família não participa, apenas os funcionários da empresa, onde a coisa toda veio a público. A mulher mantinha uma relação amorosa clandestina com o vigia da Instituição, levados pelo teor alcoólico festivo perderam os freios... Remoía-se todo ao imaginar que a levava de carro ao trabalho e a beijava na entrada, possivelmente assistido pelo traíra, também casado e pai de filhos pequenos. 

(CONCLUSÃO NA 2ª PARTE...)