Os dois estranhos

Um beijo corrosivo,
Um toque gélido.
Lábios opacos num tênue sorriso.
 
Mãos trêmulas procurando abrigo
Em um corpo indiferente e tão estranho
Ao ponto de se tornar esquivo.
 
Ainda assim os corpos desnudos se deixam encontrar,
Fazem do delírio uma opção
Como dois estanhos tentando negociar.
 
Há diálogos em forma de gemidos, mas ambos não conseguem se ouvir,
Sabem que existe a estranha sensação do insaciável,
Como se o sexo inevitável não se deixasse aurir.
 
Então um pára, fitando o outro, pergunta o que está acontecendo
Seus corpos estavam ali desunidamente se estilhaçando,
Eram dois estranhos que não estavam se entendendo.
 
A que estava deitada se soergue, trêmula diz o que sente,
Não agüentava mais aquela gelidez, aquela insensatez,
Como se os corações de ambos estivessem inconscientes.
 
Ela grita - Vamos amar, amar como amamos um dia.
Fazer amor como se não tivéssemos amanhã,
Incendiar esta cama fria.
 
Diga que me ama, que me deseja, demonstre que ainda me conhece,
Trague-me como se eu fosse uma bebida quente,
Descubra-me, desvende-me, paixão assim não esvanece.
 
Vamos esquecer as brigas que só estão atrapalhando,
Vamos relembrar quem somos, como somos, o quanto amamos,
Eu não quero sentir prazer com um corpo estranho.
 
Quero sentir a minha insensatez extravasar
No corpo, nos braços, nos lábios de quem amo,
Tão loucamente como se o amor a qualquer momento fosse escapar.
 
O outro extasiado a olhava fixamente,
No fim apertou as mãos, cerrou os dentes e tremendo
Lançou-se para aquela tão abruptamente
 
Que parecia que aquele corpo quebraria nos seus braços.
Ele gritou Eu te amo, ela gritou Eu te amo,
Ele pediu perdão, ela pediu perdão,
Os dois estranhos deixaram de ser estranhos.