Canto da aurora primeira


À Sandra

ICHÁ, que quer dizer mulher

“Eis agora aqui, disse o homem,
o osso dos meus ossos e a carne
da minha carne...” Gen. 2,23

Vou cantar as belas manhãs
que trazem o Sol para beijar meu ser
e despertá-lo da relva macia,
como a vida que me surpreendeu
numa aurora primeira.

Quando os gorjeios alegres começam
e o brilho do orvalho ainda resiste,
sou o que contém as aragens
e a espuma que varre a praia
na primeira luz do novo dia.

Vou cantar as belas manhãs
quando acaricioi seu corpo
que desperta no mormaço,
à procura de espaço para correr.
E me recolhe, afoito menino.

No primeiro banho de mar bravio,
quando modelo sua alma com as mãos,
de tão palpável e palpitante,
no primeiro fruto que arranco,
e seus dentes, como a onda, explodem em mim.

Sou como a areia
que espera seu carinho
para ser suavizada.
Sou como a praia
que espera sua luz
para começar o dia.
Sou como o mar
que se excita no seu leve beijo
para ter vida e graça.

És, pois a minha manhã,
a mais perfeita autora,
que afugenta a noite,
e me implanta a vida.

És, pois, a aurora primeira,
que o céu, com cuidado,
fez soprar neste então corpo vazio,
e deu-me à luz, à luz do dia.