A JANELA ABERTA ( conto em versão para teatro- 1 ato em 5 cenas) Parte II

A JANELA  ABERTA ( conto em versão para teatro- 1 ato em 5 cenas) Parte II

 

( guarda bate na grade) – Quem é Antonio Francisco da Silva ?

( LUZ CAI)

CENA -2

(Sentado frente ao escrivão que toma nota no computador)

- Seus pertences, algumas moedas, a identidade e uma carteira profissional em branco como documentos ?

- Sim, senhor...

- Trabalha ?

- Sim, senhor, no momento estou desempregado, mas...

- E quando trabalha faz o que ?

- Serviços gerais na construção civil, ajudante de pedreiro...

- Nome da empresa ?

- Faz tempo, não lembro não, fui contratado por empreiteira...

- Nenhum registro ? ( folheando a carteira de trabalho)

- Tinha, mas a água estragou tudo com a inundação...tirei uma profissional nova...olha, senhor, deixei a janela do meu barraco aberta...

- Que é que tem ?

- Vai chover e inundar de novo e acabar com o pouco que a gente tem...na pressa de sair de madrugada deixei a janela escancarada, a noite foi muito quente, barraco de madeira, deixei a janela aberta para ventilar e esqueci...

- Ninguém em casa ?

- Só a noitinha, minha companheira e minha filha voltam do trabalho, até lá a janela...

- ( mostrando impaciência) – Já sei, está aberta !

- Sim, Senhor, e pode inundar o barraco...

- O que você acha que eu posso fazer ?

- Deixar eu ir até lá fechar a janela, te juro que depois eu volto...

- Não me venha com essa conversa, pensa que está falando com algum idiota ? Ou acha que estou brincando em serviço ? Você está em uma delegacia, sob ordem de autoridade policial !

- Senhor, se ver meus documentos, vai ver que não tenho nada com o ocorrido...

- Sabe quantos Antonios Franciscos das Silvas existem em relatórios policiais ?

- Não senhor...

- Deixa para lá !

- Os meus documentos, os números não são iguais aos outros...

- Não quer dizer muito, há muita falsificação, temos que conferir tudo, isso leva tempo... além do que a questão não é apenas de conferir documentos mas de se apurar responsabilidades no caso...

- Será que chove antes ?

- (pausa em que o escrivão olha para Antonio, como não acreditando)

- ...a janela está aberta...

(exasperado) – Por ora é só, você volta depois, Guarda !

- Que bom, então posso ir embora, a janela...

- Embora da minha sala e de volta para a cela. Até prova em contrário você é suspeito de ter participado da morte de dois homens... é bom refrescar sua memória e colaborar com a investigação...você foi o único detido em flagrante no local dos homicídios. Está claro que não fez isso sozinho, é melhor dizer o nome dos outros e agilizar os trabalhos, para o seu próprio bem.

( o guarda retira Antonio)

- (Escrivão) – Cada nóia que me aparece...a Janela Aberta !!!

( CAI A LUZ)

( cena 3 ) Barulho de cela sendo aberta, Antonio entrando.

( Preso 1)...Olha quem tá de volta, o paraíba encrencado, pareceu que os “hômis” não acreditaram na tua inocência...estou certo, companheiro ?

- (Antonio) – É questão de tempo, vão ver que eu não tenho nada com esses crimes, sou homem de bem, trabalhador...só espero que dê tempo de fechar  a janela antes da chuva...

-(preso 3) – Filhos da puta, vão te dar um cansaço, isso se não te incriminarem para encerrar o caso... fazem isso para darem uma satisfação pública, foda-se se é inocente ou não, assim é que as coisas acontecem...

(Antonio, assustado) – Me incriminar como ?! Eu só estava no chão, embaixo da catraca, aquele lascado do cobrador, pobre como eu, escorrendo sangue...

-(preso 3) – São escolhas, meu caro curió. Quis guardar a grana do patrão e levou balas, o outro, o motorista, quis se fazer de herói e hoje são os mais novos presuntos no cemitério...

( Antonio, benzendo-se) – Deus meu, que mundo...pobres homens trabalhadores que lutavam para ganhar o pão com dignidade, o que serão de suas famílias ?

(pausa, os presos se olham constrangidos)

(Preso 1) – Prefiro que a minha família desista de mim, me esqueça... não quero ver minhas filhas pequenas sendo apalpadas em revistas me visitando e minha companheira descuidada e maltratada para sustentar sozinha ela e as filhas...me esqueçam, melhor acharem que eu morri do que saberem e sentirem vergonha de um pai bandido, elas nada tem a ver com minhas escolhas... Na vida tudo tem um preço, paga-se caro por más escolhas, ninguém nos induz ao erro, caminhamos por ele. Tinha cansado da vida operária, salário merreca, uniforme, horários, carnês de prestações, vidinha medíocre, coisas contadinhas, mês após mês, ano após ano... Certo dia resolvi que poderia ter sucesso mais fácil e me armei de um revólver e fiz um assalto, não parou ai, me acostumei a tomar do que trabalhar por um salário. Uma vez as coisas não foram como sempre, houve resistência, era eu ou ele... depois ficou comum acabar com a vida alheia, esqueci escrúpulos, adotei a marginalidade...até executei por encomenda, ficava com a bronca para mim e silenciava pois recebia para isso... 

(Preso 2) – Quanto a mim já não agüentava a vida de caixa de supermercado, o dia todo suportando a clientela,consumo de um monte de futilidades, enquanto me sobrava uma cesta básica, muito dinheiro na mão entregando ao superior e eu colecionando moedas para comprar uma camisa nova e o sapato com buraco tapado por dentro por um papelão...dei adeus àquela vida e tomei outros rumos, mais intensos e vibrantes...ninguém fica só nos entretantos, quem sai na chuva acaba se molhando todo...esqueci, ou me esqueceram, irmãos, desgostosos de minha virada, ainda bem que a mãe já é falecida e o meu pai velho demais para ter noção do que está acontecendo comigo... cochilava nos bancos da escola noturna depois de um dia exaustivo de trabalho, aprendendo como ser alguém na vida...não resisti e descambei de vez. Furtos, assaltos, estelionatos e homicídios...

 

( Preso 3) – Porra, Paraíba, você tinha que trazer esse papo de família...todos temos e é nossa cruz na consciência... 

Cedo percebi que o caminho era estreito, penoso demais, olhava para os meus familiares, pessoas dignas, honradas, envelhecendo dia a dia e vivendo com uns trocados, sonhando acordados, com um futuro incerto...

Era uma rotina de bater cartão e receber merrecas para mal sobreviver...

Gostava de uma gata, menina honesta, responsa, parecia gostar de mim, planos para se ter um teto e criar nossos filhos,coisa bacana que todos os jovens que amam têm...

Acontece que nunca fui muito de estudar, nem terminei o primeiro grau, promoção na empresa nem pensar...ela gostava de estudar e seguiu em frente, foi saindo do meu mundo e vivendo em outro, até me trocar por um futuro mais promissor... Era muita merda junta, cara, muita humilhação para suportar, não pude vê-la feliz com outro, fiz loucuras e acabei com os dois... fugi e continuei na trilha dos desesperados, fugindo de minha vida estreita e me sujeitando a fazer cada vez mais asneiras para sobreviver, até cair de vez...

(Preso 4) ...Comigo foi diferente, meu meio não era pobre, tive possibilidades e estudo, me prostitui por vaidade, daí para o tráfico não foi difícil...garoto bem apanhado, bonito, corpo malhado, percebi que era atrativo para mulheres ricas e carentes de conforto íntimo conjugal, generosas com seus afetos contratados. Sempre adorei o bom viver, a boa comida e o regalo da boa vida, preguiçoso sem ter que saber o que é ganhar o pão de cada dia trabalhando...depois entrei em outro meio, a prostituição masculina, bem paga pelos meus serviços e sigilos, há coroas que pagam em ouro por sua companhia e seu segredo...passar pó em altas rodas era o de menos, afinal a alta sociedade adora exibir aos seus convidados, o charme de anfitriões, a exibição da melhor farinha do mercado, grana grossa, toma-lá-dá-cá... Para tudo há um tempo, para quem vende o próprio corpo, ele passa mais rápido...não me acostumei com a idéia de ser trocado por rapazes mais jovens e viris...em desentendimento com um dos meus clientes cativos, o assassinei...aguardo nesta cela a minha sentença.

 

( o carcereiro bate na barra da cela)  - Quem é Antonio Francisco da Silva ?

- Sou eu !

O delegado quer vê-lo...

(Preso 3) – Vai, Paraíba, fechar a tua janela, cuidado para não fechar suas portas na vida !

(Preso 2) – Até nunca mais, cabra inocente !

( Preso 4) – Que este dia diferente ao seu meio tenha serventia para tu valorizar tua vida difícil mas digna...

( Preso 1 ) – Vá na paz de quem merece !

(Antonio) – Adeus !

(CAI A LUZ)

 

ORIGINALMENTE ESTE TEXTO FOI CRIADO EM FORMA DE UM CONTO, SENDO O MEU 1° TEXTO PUBLICADO PELA CÂMARA BRASILEIRA DE NOVOS ESCRITORES, CBJE, EM OUTUBRO/2009, NA COLETÂNEA: " 1° ANTOLOGIA DE CONTOS PREMIADOS" POSTERIORMENTE, O ADAPTEI PARA O TEATRO, REGISTRANDO A AUTORIA NA BIBLIOTECA NACIONAL DE DIREITOS NACIONAIS, SOB N° 494.5467, LIVRO 935, FOLHA 144. PARA PUBLICÁ-LO NESTE SITE, TIVE QUE DIVIDÍ-LO EM 3 PARTES, VISTO EXTRAPOLAR OS LIMITES DE ESPAÇO PERMITIDO.