Redondilhas de Café

 O café, feito bebida

É um viciozinho ligeiro

E é também para o escritor

Um arrimo verdadeiro

Não acabaria um livro

Sem meu fiel companheiro

 

É desse meu bom amigo

Que, agora, passo a falar

Apesar de conhecido

Muito se tem p’ra contar

Bem merece as redondilhas

Seu passado tão invulgar

 

Complicado é ver as coisas

P’ra sempre se transformando

Por ser preciso um começo

As lendas vão-se criando

Lavoisier que desculpe

O que eu vou contar, cantando
 
Teve, o Café, seu começo
Quando o arcanjo Gabriel
Lançou pr’ó chão da Abissínia
U’a semente, do farnel
Que ele trazia, esquecida
De um pomar que há lá no Céu
 
E foi seguindo o seu fado
De semente abençoada
Até aos dias que hoje correm
Já, em tantas, transformada
A dar azo a muita história
Ora clara, ora velada
 
Conta-se que Abgail
Cinco medidas de um grão
Deu, torradas, a David
Uns dizem que tal ração
Tratava-se do café
Nem lentilhas, nem feijão
 
Balkis, rainha do povo
De Sabá, país de Kaffa
Levou para Salomão
A planta que cura estafa
O Sábio fez-lhe um menino
Assim, conseguiu sua safa
 
Balkis voltou à Abissínia
Sem tristeza ou pessimismo
Com Menelique, seu filho
Lá, implantou o Judaísmo
Onde veio a transformar-se
No Copta Cristianismo
 
Por inveja e por ganância
Esaú queria o direito
De ter a progenitura
Logo, arquitectou um jeito
Pagou Jacó com café
A Bíblia narra esse feito
 
Helena, aquela de Tróia
Viu Telêmaco em tristeza
Deu-lhe café e a alegria
Fez o gáudio da princesa
E aos soldados espartanos
O café dava esperteza
 
Gabriel, o nosso arcanjo
A pedido do Alto Alá
Deu uma planta a Maomé
Que dela fez o qahwah
A bebida estimulante
Para, ao Islamismo, ajudar
 
Mas o café deu-lhe forças
Não só p’ra religião
Gabava-se Maomé
Quarenta, jogava ao chão
Ou mulheres, ou inimigos
Há registo no Corão
 
A lenda mais conhecida
Que passo a cantar, aqui
Conta então que algumas cabras
Do jovem pastor Khaldi
Ao comerem certos frutos
Não conseguiam dormir
 
Pastor Khaldi, muito esperto
Ao reparar em tal facto
Foi ao mosteiro de Chéodet
Disse a um monge, estupefacto
Que também se impressionou
Com a proeza de tal mato
 
O monge, de curioso
Fez, co’o mato, experiência
Chás de folhas e de frutos
E, com toda a paciência
Descobriu que essa infusão
Afastava a sonolência
 
Os muçulmanos que tomam
Café, no Verão, ou Inverno
Acreditam que, chegada
A hora do Sono Eterno
Se têm café no estômago
Não é temido o Inferno
 
Ali ibm Omar al Shadhilly
Conhecido por Omar
Que com a filha de um vizir
Começou a namorar
Para salvar a sua pele
Em Moka, foi-se exilar
 
Nesse tempo, em que vivia
Com sua esperança perdida
Atacou uma moléstia
Ainda desconhecida
Que deixava toda a gente
Cabisbaixa e combalida
 
Mas um pássaro encantado
Do povo, se apiedou
Chamou pelo amigo Omar
E bom caminho, indicou
De um cafeeiro e, com ele
Omar, o povo curou
 
Até a filha do vizir
Do mesmo mal padecia
Ficou o pai desesperado
Ele, a tudo, recorria
Não havia medicina
Para a filha que sofria
 
O vizir soube de Omar
Mandou chamá-lo, ligeiro
Omar curou sua amada
Co’o remédio milagreiro
Hoje, ele além de ser santo
Do café, é o padroeiro
 
Os peregrinos que, a Meca
Acorriam, aos manguais
Tinham, no café, a moeda
Preferida, entre as demais
Para utilizar na troca
Por produtos orientais
 
Dos escravos sudaneses
O café era alimento
Comiam-no, ainda em casca
Para obterem sustento
A eles, deve o café
Também, seu enobrecimento
 
Nas mezinhas, Avicena
Nome cristão de Abu idn Sina
Nunca desprezava a planta
Que lhe dava a cafeína
Ele é o Príncipe dos Médicos
Orgulho da Medicina
 
Prosper Alpino contou
Da viagem ao Egipto
Que no Império Otomano
O café era feito um mito
A bebida mais bebida
Assim ele tem escrito
 
Baba Budam foi à Meca
Sete sementes guardou
Escondidas no amuleto
E, em Mysore, ele as plantou
O café, em Chikamalgur
Na Índia, frutificou
 
E a sementinha querida
Foi seguindo na sua senda
Deu uma volta inteira ao mundo
Num rastro de muita lenda
Quem quiser que conte outra
Que estude muito, que aprenda
 
 
Se quiser fazer amigos
Dê café como oferenda
 

jorge carlos amaral de oliveira
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