Conto verídico
 
Um mundo inesgotável de amor e amizade...
 
Eu estava meditando sobre amizade, partilha união e fraternidade.
Voltei atrás no tempo, iniciei minha aprendizagem no computador,
Refletindo também nos meus tempos passados, onde por mim passaram pessoas das mais variadas formas e estatutos sociais diferentes.
Ainda sendo menina eu já tinha aprendido que ser amigo era algo valioso, ter amigos era a melhor recompensa dos céus. Fiz muitas amizades que jamais desapareceram no meu coração, ainda permanece com sua humildade, seu sorriso e ainda sinto a sua presença quando recordo daqueles belos momentos.
Nasci numa aldeia, diriam que era feia em nível de arquitetura, nas suas formas geográficas e a única coisa que dela podia recordar, era aquele, mosteiro que restou da arte Romana já caindo aos pedaços e onde somente a igreja se salvou.
Uma bela igreja pequena, com um altar meio descolorado pelo tempo, mas belo nas suas janelas pequenas que levavam a refletir e ficar em oração pelo silencio que ela nos transmitia.
Lembro também da bela quinta com um leão dormindo nos campos e onde eu ficava de cima a muitos metros a observar.
As casas eram humildes, muitos nem chão de laje tinham, era terra bem batida porque eram pessoas muito humildes e pobres, lembro ainda do cheiro que eu sentia quando entrava em algumas, cheiro eucalipto queimado, escutando seu crepitar, vindo, da lareira para sobrevirem mais um rigoroso inverno.
Lembro do cheiro intenso a naftalina saindo dos rudes fatos para irem a missa do Domingo, vaidosos nas suas vestes e alegres pelo que tinham, moda, ali nunca tinham ouvido falar disso era coisa de artistas ou gente do diabo.
Uma aldeia muito fabril, cheias de fabricas de tintos, fabrico de malhas e outros mais que tudo levava ao desenvolvimento do tempo, ainda era tempo de regedor que sempre tinha aquela posse de gente abastada e muito sábia que sentia vaidade no que era.
Tinha uma família que era muito querida pela aldeia, não só pelo negocio, mas também pela sua família que já ali morava séculos antes que sempre foram pessoas honestas e trabalhadoras.
Era a única casa que podia albergar engenheiros ali na região, era a casa de meus tios e pais do coração. Sempre trabalhando com ardor, gerindo o restaurante, café e até a pequena mercearia, para dar o melhor a sua família.
Lembro do carro do meu tio Abreu era um belo táxi, nunca estava sujo parecia que estava a sair do stand, sempre espelhando, era preto e com cor verde, um verde forte, dentro os assentos em couro sempre bem limpos e lembro do purificador de ar com cheiro a bosque.
Recordo os vidros estavam sempre tão limpos que pareciam abertos, aqueles tapetes sempre bem sacudidos.
As empregadas, sempre muito asseadas e ninguém podiam esperar ali, eram logo servidos, muitas vezes pela famosa comida, vindo, padres comer os rojões à moda do Minho na Sexta-feira Santa e saiam vermelhos, tontos e lentos pelo vinho que ingeriam, ainda escuto as suas ruidosas gargalhadas, quando contavam os pecados de umas comadres e outras..
Era uma vida muito intensa, de muito trabalho, cheia de coisas engraçadas e belas historias, mas a que eu vou contar aqui é de uma, que uniu a aldeia no geral.
O meu tio era um homem muito sábio, não tinha estudo de grau avançado, mas metia muitos doutores num bolso porque ele devorava tudo que lia e aprendia com amor. Era um homem generoso, de temperamento calmo, educado, mas se faltassem ao respeito era homem para ir para a briga.
A aldeia era sempre governada pelo mesmo presidente de junta que era do tempo do Salazar, nada era feito pela aldeia, era do dono de uma grande  quinta, a Quinta do Leão ( porque nessa quinta tinha um leão verdadeiro), a família Morais, dono também de uma das maiores fabricas de tecelagem, hoje somente restam os velhos tijolos e parte das suas quintas.
Claro que era da ditadura, o Salazarismo, era como capim numa fazenda devorava a terra e tudo o que nela era produzida. Os pobres ficavam mais pobres e os ricos mais ricos, claro esta que o santo padre da paróquia era quem mais ajudava na missa, levando as beatas a levarem um envelope para casa já com o voto feito e mal delas se não fizessem o que ele dizia (era pecado e iam para o inferno não votar no senhor Morais), grande devoto á igreja.
Comunista, era coisa do diabo e proibido falar nisso, se alguém soubesse de um livro ou algo ligado a isso, logo informavam a Pide ( Policia secreta), eram levados para os calabouços e nunca mais ninguém ouvia falar deles. Governava, uma autentica ditadura militar, ninguém se podia expressar e sendo Portugal muito rico em minério e ouro (muito provinha dos roubos dos nazistas aos judeus), guardado e trocado por minério, sendo, o estado Português, governado a pulso forte, onde ninguém podia fazer frente.
O meu Tio Abreu era um homem cheio de ideais, lutava pela justiça do povo e do ser humano, era justo, honesto e via a prepotência dos senhores feudais, sobre o povo da aldeia e do martírio que suas famílias passavam pela magra comida colocada na mesa e dos salários magros que ganhavam em suas fabricas.
Conversavam na calada da noite, entre o barulho do bilhar e dos que jogavam as cartas e bebiam sem parar. Uns mais a direita, mas não concordando com a ditadura se uniam, outros já estavam a preparar por outras partes também formas de lutar contra a ditadura, mas o medo era grande, muito grande porque o perigo sempre rondava pelos puxa sacos ( ladrões ) da ditadura que muito ganhavam com isso.
Estavam a chegar eleições para presidentes de juntas e municípios, não havia campanha, já era ganha por natureza, o padre já conduzia a Homilia para que suas ovelhas votassem no partido da igreja e de Deus.
A saída já estava cumprimentando o povo com o envelope com o voto preenchido, dizia ele, pela ignorância do povo e claro que se podiam enganar.
Os amigos de Portugal eram alguns homens, que se juntavam e conspiravam como poder vencer contra isso e com ajuda de alguém que tinha acesso aos boletins de voto, trabalharam noites a fio, imprimindo novos votos e trocando o candidato escolhido.
Neles, estava meu tio com muito orgulho, não era da esquerda totalmente, mas estava com eles na ajuda do povo e dos direitos e igualdades do povo.
Chegou o tão desejado dia, todos foram a votos mulheres que sabiam tremiam com medo de serem descobertas e outras foram na ignorância, mas o resultado foi arrebatador.
Toca o sino da aldeia, era furor, alguns de boinas mal enfiadas, camisas já descoloradas e cigarro na ponta dos lábios, andavam de um lado para o outro esperando...
O medo espreitava em casa esquina, sentia-se algo no ar, alguns dos homens que estavam no largo mais conhecido em Vilarinho, suavam nervosos com a grande espera. Fez-se silencio, vira-no, passar aflito o pároco, com alguns homens, bom sinal, algo mudou.
Não se sabia o que se passava, mas logo o sino tocou, a aldeia estava salva de mais uma jornada de Salazarismo e prepotência da família Morais.
Eu ainda muito nova senti uma sensação de liberdade, de algo novo mas um dia relembrei que vi uns homens de gabardina com uns chapéus estranhos, entrarem em nossa casa pela garagem dentro sem qualquer permissão perguntado pelo meu tio.
Estava arranjando o seu táxi, ainda debaixo do carro, com as ferramentas na mão, escutei a vozes deles zangadas e meio nervosas. Vi verter uma lagrima sobre o rosto de minha tia Mimi, aflita que ele fosse levado pela Pide, mas mais uma vez Deus esteve do seu lado.
Poderia muito mais falar aqui, mas termino com o final do salazarismo e lembro aquele dia, 25 de Abril de 1974, no final da tarde quando já tudo acalmava o povo veio sem medo para largo e cantaram juntos, com suas mãos dadas a inesquecível canção de Zeca Afonso, a Gândola Vila Morena.
                                                                                                                         
Aquele dia jamais poderá esquecer com aquele por de Sol, no horizonte, onde a paz reinou ate aos dias de hoje...
 
 
Dedico este texto em homenagem a um grande Homem e de alma iluminada
Meu Tio Abreu

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