Edifício Surpreendente

Durante as noites, não todas, você dorme quentinho,
prontinho pro dia seguinte, seus pezinhos enrolados nos lençóis que cheiram a cuidados especiais,
seus cabelos relam no travesseiro, neste que te ampara enquanto alguma inquietação lhe domina.
Adormece convicto que está vivendo perfeitamente bem,
que está fazendo tudo direitinho, sabe que está tudo sob controle, tudo nos eixos.
Na rua é como sempre, como todos os dias seguem e hão de seguir fervorosamente do mesmo jeito,
a mesma esquisitice das normalidades humanas, o mesmo sabor que o medo nos apetece,
a mesma angústia das cores, o mesmo balbuciar dos ventos,
dos gemidos que provém das sujeiras que esvoaçam nas calçadas...
O mesmo grunhido dos automóveis que circulam lentamente,
cada qual com uma finalidade, com um objetivo a ser alcançado através desse percurso.
E ao retirar-se da janela, vê-se em plena madrugada,
a questionar os padrões de vida, as classes esquecidas, a política inimiga e assim,
descobre mais uma vez, que são tantas as razões para chorar, para nunca mais levantar.
Olha-se ao espelho e vê a beleza do seu tom caqui,
e percebe que há realmente um quê de Príncipe em você,
e um riso perpassa por seus lábios rosados, e revolve-se de olhares por longos momentos.
E toca-lhe as faces emaranhadas de finas rugas,
e sente-lhe os fios de cabelo já em desalinho e por fim,
cede ao sono e virando-se para o leito,
muito devagar se aproxima da beira do seu jazer de fantasias e já com as pálpebras cerradas deita-se,
e com pensamentos elevados para Deus, entrega-se pra sua reza diária.
E diz como de si para si, Boa Noite.
Edifício surpreendente,
que nele acolhe, o mais perfeito dos seres.
E pouca gente o sabe disto,
poucos são os que conhecem o brilho de seus olhos,
os que já puderam sentir-lhe os abraços,
os que já tiveram o prazer de ouvir-lhe qualquer coisa, poucos o sabem,
os poucos que o sabem, sinceramente o admiram,
deliberadamente o assediam, o contaminam com suas verdades ou mentiras,
o sentem e a ele interessam,
e depois de um ano exatinho passados,
eu que o sei, eu que o vi, eu que o abracei, eu que o ouvi, eu que o senti,
não pude deixar de amá-lo um único segundo.

Em casa, 06/07/05