AS MULHERES AMADAS SEMPRE OLHAM PARA TRÁS

AS MULHERES AMADAS SEMPRE OLHAM PARA TRÁS

 
Desfilo sonante (milhares de decibéis acima do razoável)
A “lei do silêncio” modestamente me ignora
Surda-muda só a regra (apenas gesticula inconvenientes verdades)
Que os oportunos estrondos ajudam a acobertar

Daltônico, atravesso o enésimo farol vermelho
Disléxico, viro à esquerda quando era à direita
Apoplético, atropelo um sagaz cachorro louco
A vida nunca me caça a carteira

Tagarelo imprecisões com aguda convicção
Fanfarreio com as pobres vítimas persuadidas
Ateio fogo fátuo no palheiro, localizando agulhas
Que espetam essa bêbeda certeza da ignorância

Sirvo olorosas mágoas em avantajadas gamelas
Nutro almas cegas com temperadas imagens
Abstraio a percepção de fel que abarca a língua
Em troca engambelam-me turbilhões de falsos beijos

Assovio frases em galantes sortilégios
Encanto pedras lânguidas que me sorriem
Mulheres amadas sempre olham para trás
Transfazem-se em sedutoras estátuas de sal

Aglutino-me em esponjosa poeira estelar
A lua presenteia-se como madrinha
Um moscardo quasar volteia o disco do zodíaco
Mexerica sobre minha bastarda genealogia

Irradiou-se que de avô centurião e avó pitonisa
Cortaram-se órbitas de mãe hipotenusa e pai cateto
Aos celestes trinta graus de um ângulo agudo
Só poderia vir à luz um meteoro que progrediu obtuso
 
Gê Muniz
 

Gê Muniz
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