COMEÇO E FIM

08/04/02                                                                                                                                                                                                            17:38
 
Diante do fim nossos medos já multiplicados só esperam o momento do último adeus. Ficamos diante de nós mesmos e de nossos pecados. Damos um singelo adeus ao rosto marcado pelo tempo, pelo pouco amor, pela dor. Tocamos o mesmo corpo que foi nossa casa, nossa casca, nossa armadura visual e parece que estamos como sempre e na verdade sempre fomos assim.
É estranho, mas as perguntas mais absolutas estão bem ali. Elas só esperavam o momento certo e eis que ele chegou. Elas falam das respostas que nunca demos, dos lugares que não marcamos presença, dos beijos que não roubamos. Consigo enlouquecer mais uma vez, pois que sentido há em saber como teria sido se já não pode ser feito?
Diante do fim as coisas devassas são criaturas divinas e os anjos de Deus são lamparinas apagadas. Eu me lembro daquela velha árvore seca... ah, como lembro! Ela jamais perdeu um galho sequer; nunca perdeu sua identidade e para que serve sua existência? Ela viveu do jeito que tinha que ser. Não precisava de nada mais; nem de solo fértil nem de grama verde. Ela jamais viu sua sombra.
E a pergunta esta ali. "Não seria eu a sombra que falta a esta árvore?" "Não seria eu - seca e inútil - a ocupar o espaço que falta ao chão?" Minha imaginação dá folhas aos seus galhos e estas folhas contam a minha vida. Eu sei que o tempo não esta a meu favor. Mas quem se importa? Eu? A árvore? Não... nós não.
Eu sempre vivi cada passo de uma vez, um gole de cada vez. Eu também estive seca todos estes anos e a esperança nas mudanças me tornou uma pessoa que acreditou numa vida de mentiras. Sempre dando um jeito para tudo; sempre sorrindo para todos. Sempre consertando os erros dos outros. E os meus, quem consertou os meus? Você? As medidas exatas, as histórias perfeitas, as datas certas... esta foi minha vida, minha ilusão.
Eu nunca chorei a morte de um amigo, nunca tive um amor. Eu nunca arrisquei demais, comi demais, fui feliz demais. E agora alguém diz que devo partir. Como posso partir? O que devo levar o que devo deixar? Quem chorará por mim? Quem se lembrará de mim?
Perguntas, malditas perguntas...
Para onde vou se não conheço lugar nenhum? Quem me espera? Esperam-me?
Abro bem meus olhos e sem mais perguntas (nem respostas) me apresento ao fim.
Sublime.
 

Carmen Locatelli
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