A Sombrandorinha pede um sarau

A sombra supressa dos corpos,
querendo um encontro,
pergunta a furtar-se
- qual o melhor lugar
pra lavrar um sarau?

A andorinha asinha
se deixa ficar em seu ombro,
e responde a vultar-se
- um sarau?!
apraz-se em lavrar
em qualquer lugar,
dês na avenida central
carpida em terreiro
de casuais no espanto apaixonados;
dês nos olhares à-toa
a balançar no varal do crepúsculo
bem juntinhos,
embora pardais desertores do
tédio, esse inchaço
das estanques janelas dos prédios;
até nessas vozes sozinhas
orando a esperança esbatida,
carapaça ruída em torno ao
vazio repleto
dessas presenças de hoje em dia.
Enfim, cada lábil palma
do expanso movimento em Verso.

- Entendo... mas campeio
um pouso surdino, um descanso certo,
donde eu possa às claras
renovada filtrar-me nas formas
como a plumagem cadente das almas,
novamente me espelhar às largas,
aprender co'a noite a apurar a pérola
do celeste sem-fim de túnel
debaixo eterno quieto do nariz dos homens -
assim, de sussurros fortes relustrar
meu negro e ferrugíneo nácar.

- És de sombrear, companheira,
as uvas pulsantes bebendo
viandantes carreiras
por seus cachos de astros -
és o transbordo de sede da luz!...
mas já que, então,
queres retiro onde resgatar
a dispersiva mina
de teu todo lugar:
lá no Campeche,
uma clareira em meio aos pêlos ledos
verdes de maresia,
na anca leste de uma maravilha,
entre a rua Pau-de-Canela
e a Alexandrino Pedro Daniel -
ao fim da transversal de terra desta,
hás de topar a saída da febre
para os calores do mel:
um portão de madeira
sob um festão de girassóis,
ao lado, uma outonal primavera,
generoso abrigo pra tua renascença;
adiante, no sigilo de dois chapéus-de-sol,
cicatriz purificadora em teus pés e enlaces,
vais dar a ti de amor uma fogueira -
eis teu âmago lugar, ninho pra madurar...
vai
vai!
vai pra lá!

- Sim, eu vou!... te agradeço a canção,
ó andorinha, mansa amiga lavra
no peso veloz do tempo.
Mas e tu?,
ainda quero te sombrear o pouso, o vôo,
que sutil beijo do mar!
Como encontrar-te?

- Não te preocupes, me espera em paz;
lá me estarás:
sou teu sarau de agora,
sou teu vasto coraçãozinho
batendo o mundo e fundo
naquele lugar - vai!

 

Thierry Motta
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