Noite de Inverno, ela bem escura e fria...
Chove, há tanto frio, e trovoada
E toda a gente quase em sintonia
Regressa a casa, a casa abençoada...

Parecendo indiferente ao frio que corta,
Criança, rotas vestes, seminua
Enrosca-se ali mesmo em vão de porta
Para uma noite mais, juntinha à rua

Dum saco velho tira o seu pãozinho
Que é tudo o que lhe resta para jantar
Na fronte guarda ainda algum carinho
Que alguém há pouco deu, quando ao passar...

Enquanto exposta assim, tanto tirita
Vai comendo, de pão, aquele pouco
Uma carinha suja mas bonita
Olhinhos a olhar um mundo louco

Depois já não resiste...é o cansaço
O seu frágil corpinho desfalece
Circunda os joelhitos num abraço
É nessa posição que ela adormece

E sonha com o dia que passou
Com um sorriso dado por alguém
E odeia quem um dia a escorraçou
E a fez sair do lar que já não tem

A chuva cai... vem vento de rajada
Nos lares não se "nota", há o conforto...
Mas a criança ali, enregelada,
Pode pela manhã ser um ser morto

Será ainda assim a indiferença
Se tal acontecer... E no jornal
Em letrinhas minúsculas de imprensa
Ler-se-á : " morreu mais um marginal".


Joaquim Sustelo

(Na sequência do poema "Meninos de rua" tão carinhosamente posto em alguns Grupos de poesia pela minha amiga Marta Lima (Ventania), logo seguido por outros poemas de outras poetisas, sobre o mesmo tema: Cecília, Mercedes Pordéus, Mara Inês, Carmo Vasconcelos... às quais quero aqui deixar todo o meu apreço).

Joaquim M. A. Sustelo
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