"Há a sua maturidade e a sua grande combatividade"

"Há a sua maturidade e a sua grande combatividade"

“(...) Em resumo, o que temo e o que reprimo, as minhas “impertinências”, a minha habitual preocupação com a impressão que causo nas relações que tenho com gente que pode não me querer e por aí fora era tudo, como dizia L., puro disparate; e em parte graças a ele ( ele fez-me escrever) concluí o ano magoado e aflitivo em grande estilo. Gosto dela e de estar com ela, e da sua personalidade ela brilha na mercearia de Sevenoaks com o resplendor de uma vela, em passos largos das suas pernas como faias, numa luminosidade rosa, coberta de cachos de uvas, adornada de pérolas. É esse o segredo do seu fascínio, suponho. Em todo o caso, ela achou-me incrivelmente mal vestida, não há mulher que se importe menos com a sua aparência pessoal –  não há mulher que se vista como eu. E contudo tão linda, etc. Qual o efeito que tudo isto tem em mim? Muito confuso. Há a sua maturidade e a sua grande combatividade: o fato de ela navegar a todo o pano nas marés cheias, ao passo que eu vou navegando num remanso em direção à costa; ou seja, a sua capacidade de tomar a palavra perante qualquer grupo, de representar o seu país, de visitar Chatsworth, de controlar pratas, criados e cães de raça chinesa; a sua maternidade ( mas ela é um pouco fria e brusca para os filhos), o fato de ela ser, em resumo ( o que nunca fui), uma autêntica mulher. Depois há nela uma certa voluptuosidade, as uvas estão maduras; e não é refletida. Não. Quanto ao cérebro e a acuidade, não é tão altamente organizada como eu sou. Mas ela tem consciência disto e por isso me prodigaliza a proteção maternal que, por qualquer razão, é o que sempre mais tenho desejado que me deem. Que o L. me dá, e a Nessa me dá, e que a Vita, na sua maneira mais desajeita e exterior, me tenta dar. Porque, é claro, misturado com todo este fascínio, cachos de uvas e colares de pérolas, há qualquer coisa que não se ajusta. Até que ponto, por exemplo, eu terei realmente saudades dela, quando ela estiver a atravessar de carro o deserto?


Virginia Woolf:  Diário – Primeiro Volume ( 1915-1926 / pág.389)
 Bertrand Editora – Tradução de Maria José Jorge

 

Eloisa Alves
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