Sobre dor e fé

 

Ô dor doída que visita a gente sem ser convidada.

Que faz pousada, que não vai embora e quer ficar.

O dor estranha que a gente quer fugir dela,

Mas ela vem faceira como querendo se enamorar.

A gente, quer não, quer ser feliz!

Se não for possível, ao menos não ser infeliz.

Ô dor danada que para vencê-la só sendo humilde,

Não culpar isto ou aquilo,

Aprumar o corpo e caminhar.

Tem que se ter o coração grato para viver,

Grato a quê? Talvez a um Além através da fé.

Fé que não é religião, mas um ir além da razão,

Fé que não é crença, mas um sublimar-se,

Não para mostrar a alguém

E nem mesmo para si,

Apenas fé que dá algum sentido

Ao que parece não ter.

Fé que não se explica,

Mas que parece ocupar o espaço da indesejada dor.

Fé que liberta do tempo e do espaço.

Mas fé em que?

Fé solitária que se tem por companhia um Todo.

Um Único tão distante que há tudo preenche,

Mas que parece nos permitir despojar de tudo,

Inclusive de nós mesmos,

Pois que se chega ao ponto de haver um incômodo em ser.

Fé de criança, fé infante que parece se bastar.

Fé que dispensa bem ou mal, pois que não divide,

Não contradita, não questiona, não tem certeza,

Mas parece se fazer a própria testemunha de si,

E se realiza em um estar saciado que se basta.

Fé que não olha, mas que parece a tudo ver.

Fé que não veio depois,

Mas parece ter surgido antes.

Fé que é brisa de consolação,

Fé que faz a dor envergonhar-se de si.

Então só por isto se basta.

Pois que a sedento de água no deserto,

Ainda que o oásis possa ser miragem,

Esta ilusão o mantém pela esperança.

Fé que em algum momento terá pouso,

Que em algum lugar terá paz,

Pois que acima do filósofo está o poeta

Pois que a imaginação e a inspiração

Parece estar acima da razão,

Mas o estranho é que a razão se faz necessária,

É preciso ampliar o raciocínio

Para entender os seus limites

E para poder reencontrar como que filho pródigo,

Um suposto paraíso perdido,

Que a razão deu o nome de utopia.

Eis que é seu altar é o silêncio,

E nele o coração escuta e se acalma

Libertando-se das dores que perdem sua morada.

 

 

Gilberto Brandão Marcon

12/08/2022.