Orlando

 Assim, aos trinta anos, mais ou menos, este jovem nobre tivera não apenas todas as experiências que a vida oferece, como também vira a inutilidade de todas elas.Amor e ambição, mulheres e poetas eram igualmente vãos. A literatura era uma farsa (...). Duas coisas restavam-lhe para confiar: cachorros e a natureza; um galgo e uma roseira. O mundo, com toda a sua variedade, e a vida, com toda a sua complexidade, tinham sido reduzidos a isso. Cães e um arbusto eram tudo. Então, sentindo-se livre de uma vasta montanha de ilusão, e por conseguinte, despido, chamou seus cachorros e caminhou a passos largos pelo parque (...). Quando atingiu aquele morro alto, de onde, nos dias claros, se avistava metade da Inglaterra e ainda uma faixa de Gales e da Escócia, deitou-se sob o seu carvalho favorito e sentiu como se não precisasse mais falar com nenhum homem ou mulher enquanto vivesse; se os seus cães não desenvolvessem o dom da fala; se nunca encontrasse novamente um poeta ou uma princesa, poderia viver os anos que lhe restavam razoavelmente satisfeito.

Ali voltou então, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano. Viu as faias ficarem douradas e as samambaias novas abrirem-se; viu a lua em foice e depois redonda; viu — mas provavelmente o leitor pode imaginar a passagem que se segue e como cada árvore e planta das proximidades é descrita primeiro verde, depois dourada; como a lua nasce e o sol se põe; como a primavera sucede ao inverno e o outono ao verão; como a noite sucede ao dia e o dia à noite; como acontece primeiro um temporal e depois a bonança; como as coisas permanecem as mesmas por dois ou três séculos, exceto por um pouco de poeira e algumas teias de aranha que uma velha pode varrer em meia hora; uma conclusão a que se poderia chegar mais rapidamente, sem dúvida, pela simples afirmativa de que “o Tempo passou” (aqui a duração exata poderia vir entre parênteses) e de que nada aconteceu.

Mas o Tempo, infelizmente, embora faça florescerem e murcharem animais e vegetais com surpreendente pontualidade, não tem o mesmo efeito simples sobre a mente humana. A mente humana, por outro lado, atua com igual estranheza sobre o corpo do tempo. Uma hora, uma vez alojada no estranho elemento do espírito humano, pode ser estendida cinquenta a cem vezes mais do que a sua duração no relógio; inversamente, uma hora pode ser representada com precisão por um segundo, no tempo mental. Esta extraordinária discrepância entre o tempo do relógio e o tempo da mente é menos conhecida do que deveria ser e merece investigação mais completa. Mas o biógrafo, cujos interesses são, como dissemos, bastante restritos, deve ater-se a uma simples afirmação: quando um homem chega à idade dos trinta, como Orlando, o tempo, quando ele pensa, se torna desordenadamente longo; quando age, desordenadamente curto. Assim, Orlando dava ordens e fazia num relâmpago os negócios de suas vastas propriedades; mas logo que estava sozinho no morro, debaixo do carvalho, os segundos começavam a arredondar-se e a completar-se até parecer que não acabariam nunca. Preenchiam-se, além disso, com a mais surpreendente variedade de objetos. Pois não apenas ele se defrontava com problemas que têm confundido os maiores sábios — tais como: O que é o amor? O que é a amizade? O que é a verdade? —, mas, quando pensava nisso, todo o seu passado, que lhe parecia tão longo e variado, precipitava-se num segundo prestes a cair, dilatava-lhe uma dúzia de vezes o tamanho natural, coloria-o com mil matizes e enchia-o com toda a miscelânea do universo. Com tal pensamento (ou qualquer que seja o nome que lhe dermos) ele passou meses e anos de sua vida. Não seria exagero dizer que saía depois do café da manhã como um homem de trinta e voltava para casa para jantar como um homem de pelo menos 55.


Virginia Woolf - Orlando

Eloisa Alves
© Todos os direitos reservados