UM BREVE ENCONTRO NA ESQUINA DO TEMPO

Encontraram-se ali na esquina da Meia Noite. Um jovem, rosto imberbe, movimentos ágeis, postura vertical, atlético, vomitando frescor por todos os poros. O outro,  alquebrado,  faces vincadas, mãos tremulas, pernas bambas, cheirando a velhice. Por pouco não se tocaram. Perguntou o Velho:
-Quem é você?
- Sou o Ano Novo, e o senhor?
- Ah, sim, respondeu o Ano Velho, tratava-se dele, você veio para dar continuidade ao Tempo, nosso senhorio.
-Sim, retornou o Ano Novo, como vai o senhor?
- Cansado, respondeu o Ano Velho, já te adiantaram que você vai conviver com o ser mais incompreensível  do Universo?
-Não, respondeu o novo, quem é ele?
- No geral chama-se homem mas compreende-se pela abrangência os dois sexos.
- São tão complicados assim?
- Se fossem só complicados seria bom demais, adiantou o Velho. Imagine que você vai herdar um punhado de promessas feitas no inicio de minha vigência, coisas assim como: -Esse ano paro de fumar, paro de beber, vou fazer regime, vou cuidar de mim, não torço mais para o Palmeiras, não voto mais em politico corrupto, etc., isso só para falar de coisas simples.
- Herdar? Como assim?
- Além dessa herança muitos vão prometer solenemente um amontoado de bazofias feito mais a base do efeito etílico do que à  simples razão. A grande maioria não cumpriu na minha validade, não cumprirá  na tua e assim sucessivamente.
Puxa! -exclamou o Novo.
- Vais começar bem, continuou o Velho, tem eleições este ano no Brasil e ai você vai terminar com toneladas e toneladas de promessas feitas por uma classe chamada politica mas não se assuste, as feitas para um detalhe chamado povo tem poucas chances de realização. Agora, as feitas para parentes, “peixes”, apaniguados e adjacências são, na quase absoluta maioria, realizadas. Esse fardo que você vai passar ficará para, pelo menos, mais quatro sucessores. Ninguém consegue se livrar dele, depois de um quatriênio começa tudo de novo.
O povo não cobra o prometido?  - perguntou o Novo
-Até pensa em cobrar, mas acaba perdendo sua voz no meio dos indiferentes. As promessas no Brasil são tantas que para levar agua ao Nordeste vem do tempo do Segundo Império e até agora nada. Um nosso antepassado, mil novecentos e quarenta e sete, teve a oportunidade de assistir a formação de um país que irrigou áreas desérticas  e as tornou produtivas. Sem promessas, só trabalho.
-Voce será lembrado?
-Não sei, respondeu o Velho. Somos lembrados, na maioria das vezes por cosas ruins, por exemplo, tsunami, terremotos, desastres, etc. É muito comum uma pessoa perguntar em que ano ocorreu tal fato e a resposta ser   mais ou menos assim:- Lembro sim, foi o ano que aquela família de tal e tal sobrenome morreu em acidente de carro. Detalhe: O fato indagado nada tem a ver com a família morta.
Alguma coisa mais? – indagou o Novo.
- Dizer que você será mencionado nas ações diária é chover no molhado. Todo e qualquer tipo de documento receberá teu numero. De nascimento a óbito, compra e venda, etc. Sempre aparece um metido a adivinho que prevê nosso fim, o fim dos tempos, isso na terra, não liga para eles não, erraram e continuam errando, nem o Tempo sabe seu fim.
- Para onde vai você? Indagou o Novo.
-Arquivo. Só tenho validade para a memoria, nenhuma ação se realizará dentro de mim, só serei lembrado para fatos e ações ocorridas dentro de meu valimento.
- Fale-me mais sobre o ser humano, disse o Jovem.
-As vezes está feliz e imagina ser um estado de espirito perene, sonhador que é, corre atrás de valores que, adquiridos, já não lhe interessam mais, sendo preciso recomeçar a busca. Batalham contra nós sempre, se jovens querem que passemos rapidamente, mais adiante ficarão preocupados com nossa velocidade e você, iniciante,  será recebido com  festas. Depois de um terço da orbita da terra em volta do sol já haverá quem diga: - O ano mal começou e já estamos no fim de abril  assim por diante. De certo ponto em diante o descontentamento será mais acentuado até chegar ao máximo:- Mais um ano perdido! Como se ano fizesse milagre, ato que não é conosco. Nem somos dignos de fé, quanto mais de milagres.
O Novo, pasmado, murmurou:
-Acho que não vou começar.
Deu meia volta, tentando escapar. Diante dele erguia-se uma parede descomunal, sem portas ou qualquer meio que facilitassem sua evasão. O Velho nem se moveu, apenas o olhou e disse:
-Só eu possa atravessar essa parede, ela é indevassável para você. Está ouvindo esse rumor:- Dez, nove, oito...estão ansiosos para ver tua cara. Seja, simplesmente.
Os ponteiros alinharam-se, fogos explodiram, abraços, beijos, desejos pensados, roubos, assaltos, tiroteios , nascimentos, mortes, tudo isso na mesma hora.
O Ano Novo nem bem chegara ouviu um amalucado gritar para um pobre rapaz:
-Saúde e paz, o resto a gente corre atrás.
Puro humor negro. O pobre rapaz dormia a sono solto em sua cadeira de rodas.
 

 
 

BUENO
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