PROCURA-SE UM PAPAI NOEL DESESPERADAMENTE

Três dias. Naqueles três dias posteriores ao carnaval o prefeito notou, ao chegar,  a presença de um individuo na calçada oposta a sua  observando-o e, depois de algum tempo, desaparecia. Intrigado esperou que o mesmo ocorresse continuadamente, o que não se deu . No entanto, na segunda-feira, ao passar pelo portão voltou-se e notou. O homem estava  agachado na calçada, fingindo rabiscar o cimento áspero. Chamou seu segurança, Sansão Josué, de porte físico condizente ao nome, feições rudes, modos bruscos,  inescrutável, empregado de sua fazenda guindado a condição de guarda-costas assim que se elegera prefeito, ordenando-lhe interpelasse o já incomodo cidadão.
Sansão Josué demorou pelo menos  meia hora e voltou sem solução. Teimoso o homem suplicava falar com o prefeito que, agastado, resolveu receber aquele estranho munícipe.
- Com sua licença, sou José Maria, disse o cidadão apresentando-se na  varanda, devidamente escoltado por Sansão Josué.
- Pois não, senhor José, eu o vejo desde quarta-feira de cinzas, fiquei curioso, por que não me procurou na prefeitura?
- Sabe senhor, lá é difícil, trabalho,  tentei e nem passei pelo batalhão de triagem que o cerca. Quando disse o que pretendia só ouvi risos e um “volte depois das eleições”.
- Sente-se, disse o prefeito, acomodando-se em larga cadeira de vime, diga, o que o senhor deseja?
José Maria, homem negro de vestimentas rotas e limpas sentou-se, apoiou os cotovelos nos joelhos, queixo nas mãos em concha e perguntou candidamente:
- O senhor poderia me informar onde encontrar Papai Noel?
Sansão Josué quase sorriu. O prefeito passou, num repente, de pasmo a furioso.
- Que asneira..., vigia minha casa, apoquenta-me e pergunta um absurdo deste tamanho?
- Mas prefeito, o senhor recebeu Papai Noel aqui em meados de dezembro, lembra-se? Levei minha filhinha Dileia, ele e o senhor a abraçaram, ele prometeu-lhe a boneca sonhada. Esperamos no Natal, Ano Novo, Dia de Reis e nada. A não ser que tenha ido sem despedir-se, coisa difícil, visto a evidente amizade entre os senhores. Imagine minha filhinha,  olhos grudados na TV, em pleno carnaval esperando que ele aparecesse por lá pelo menos em algum desfile de escola ou de fantasias e nada. Vendo-o a esperança de receber o objeto dos sonhos de minha menina não morreria com ela.
- Senhor José Maria, é tudo encenado, simbólico, ilusório,  sentido comercial, nada a ver, entende agora?
- Até que sim, mas minha filhinha não. Quatro aninhos, doentinha, já nem brinca com outras crianças, só sonha com essa boneca, Amanda ou coisa assim, que sou incapaz de comprar. Por isso vim.
- Filhinha doente? O que quer que eu faça? indagou o prefeito.
- Deram-lhe pouco tempo, respondeu José olhos marejados. Dá pena sentir aquela doçura chorosa de dor e desesperança. Nem apareci  sábado e domingo para passear um pouquinho com ela.
- José Maria, a prefeitura não dispõem de verbas para esse mister e meu ganho, graças a oposição, não está a altura de meus altos pendores administrativos. Procure a assistência social.
José Maria levantou-se, despediu-se, desalentado, ombros caídos. Antes de ganhar o portão da rua comentou tristemente:
- Qualquer Papai Noel serve, desde que leva a boneca. Como não vi nenhum que chegou ir embora deve ter pelo menos uns quarenta por ai.
Foi pedido a Sansão Josué averiguar a verdade do fato, o que ele fez com competência, informando o prefeito que anotou, politicamente, em sua agenda. Esqueceu, porem, a agenda e o fato.
E foi na noite do primeiro sábado de abril que  uma garotinha pediu ao pai deixasse a janela aberta para ver as estrelas do caminho de São Tiago e a lua, já próxima do minguante,  peregrinando pelo céu. Na noite comemorativa da ressurreição do Filho de Deus, quando cascatas luminosas de fogos cobriam a cidade, um Papai Noel,  caminhando  apressadamente, fugindo de bêbados festivos e garotos desocupados que teimavam confundi-lo com nova versão de Judas moderno, deitou  ternamente  junto a garotinha em doce madorna, pela janela aberta, a boneca desejada.
Tivera Dileia a impressão de sonhar com Papai Noel e uma solitária boneca. Abriu os olhos, agarrou-se ao presente recebido, voltou os olhos para o céu, uma alma de criança tentando agradecer  as estrelas. José Maria e sua esposa, janela aberta para a noite cálida de início do outono,  viam as ultimas lagrimas dos fogos queimados. Duas ruas abaixo um homem se desvencilhando das vestimentas vermelhas e enorme barba postiça levantou os olhos para a noite estrelada. Lagrimas indesejadas correram livremente pela face  de Sansão “Papai Noel” Josué e ele, lembrando-se da filhinha amada, quase da idade de Dileia, que ficara sob tosca cruz de madeira em algum lugar do agreste desejou, de coração e alma, o restabelecimento da menina. E muito pode, por sua eficácia, a oração do justo.
Repentinamente uma estrela superou a todas em brilho. Uma garotinha agarrada a uma boneca, um casal na janela da humilde casinha no arrabalde da cidade e um Papai Noel relutante foram as únicas testemunhas daquela luz.
 Sansão Josué teve certeza de que seu pedido fora atendido.
O casal, sem nada entender,  encontrou a filhinha chorando de alegria tendo nos magros bracinhos a boneca  aguardada, tentando explicar extasiada  que, em sonho, Papai Noel aparecera. Mal sabiam eles o que de bom estava por vir.
A vida tornara-se novamente plena e farta para a menininha Dileia.

 
 

BUENO
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