Lágrimas


 
 
 Lágrimas que não vieram dos olhos,
 mas nasceram no fundinho do coração.
 Um marejar das águas cardíacas,
 ondas em descompasso, arritmia.
 
 O destino brinca de enganar o tempo,
 e se vinga: esconde-se dos relógios,
 Já não se sabe se é manhã ou madrugada,
 se é insônia cansada ou simples pesadelo?
 
 O tempo perdeu as suas rédeas.
 Triste, se faz insuficiente, é amargo.
 E a ironia não tem graça, é sarcástica.
 E o amor próprio, corroído em aridez.
 
 Não entende, e o sorriso é de indiferença.
 O amor machucado pede socorro ao orgulho.
 E o orgulho, exausto, pouco se importa,
 e despreza o náufrago do cotidiano.
 
 O cérebro é invadido por turbilhão psíquico.
 Mil imagens, outras tantas cenas,
 e as emoções atropelam os sentimentos.
 E um sentir dolorido pede uma pausa.
 
 Arfa como animal depois do confronto.
 As ilusões querem invadir a realidade.
 Irritado, manda os sonhos para espantá-las,
 e se reconhece perdido do mundo real.
 
 E então já vai longe, se perde em distância,
 divaga em busca do ser que o feriu.
 Com paciência obstinada a ama,
 e a odeia com a impulsividade de seu coração.
 
 Vento bate à janela, esvai-se a brisa de paz.
 Folhas amarelas caem pelas ruas
 e ele se vê a andar sem rumo.
 E as ruas o engolem como que grandes bocas.
 
 Tanta cumplicidade e de repente, nada mais.
 Tanto a dizer em um instante, e ambos calados.
 O amargo doce onde o açúcar ficou acre.
 Não quer ir, mas deixa se levar pela tristeza.
 
 Para de abrupto resgatar a alma penada,
 reconhecer a paixão que não sabe ser amor.
 Perceber que a ambiguidade antes atormenta,
 que a paz quer vir, mas nunca chega.
 
 E de soslaio, acorda para as gotículas de chuva.
 No vidro da janela escorrem muitas gotas.
 E sente-se embriagado pelos sentimentos.
 Uma lágrima quer avançar na face.
 
 Mas qual lágrima enfrentará a raiva?
 Ao nascer será quente como as chamas do coração.
 Algo quer explodir, como um dique em inundação.
 Vulnerabilidade e força digladiam-se.
 
 Sensibilidade e virilidade, batalhas e guerra.
 O nó garganta, o punhal no peito.
 E então a fuga que escapou da permissão,
 do desejo que se fez ilusão.
 
 Reconhecer a dor e preferir ser feliz,
 deixando de se renegar, e aceitando-se.
 Fazendo-se livre para ver graça na paixão,
 para depois lhe falar de amor.
 
 E se perceber como que pássaro aprisionado,
 como que escravo das grades da gaiola,
 que de repente vê a porta aberta, ganha asas,
 e ganha o voo em busca das flores do destino.