O CÓRREGO DAS ONÇAS-(mais pedaços da minha vida)-Conto-

O CÓRREGO DAS ONÇAS-(mais pedaços da minha vida)-Conto-

O Córrego das Onças-(mais
pedaços da minha vida)

 

                                            Estava
uma tarde maravilhosa, era sábado e o calor beirava os quarenta e dois graus à
sombra, motivo mais que suficiente para dar um belo mergulho. Não tínhamos
acesso à piscina do clube que pertencia aos grã-finos, aliás, nem chegar próximos
a ela nos era permitido, imagine nadar então, mas isso não era problema porque
há cerca de dois quilômetros da cidade corriam as límpidas aguas do Córrego das
Onças, que num passado remoto abrigara os temidos felinos, porem, a expansão da
cidade acabou por afugentá-los para outras paradas. Curtindo a décima
primavera, eu e mais uns doze amigos embrenhamos pela estrada de terra batida
para chegarmos ao desejado regato. Margeando a estrada a mata nativa era
encantadora, mas oferecia relativos perigos, pois ainda abrigava pequenas
espécies selvagens, na maioria pássaros, alguns símios e cobras naturalmente.
Isso não intimidava a “molecada” que não via a hora de fazer “tchibum” no
concorrido riacho. A maioria do caminho era de terra plana que se transformava
em declive nas proximidades do córrego culminando na ponte que servia de
trampolim para os deliciosos mergulhos da garotada.

                                       Era pura
festa, todos sabiam nadar, mas a profundidade do ribeirão não atingia mais que
um metro e meio de agua, portanto não havia muito com o que se preocupar em
relação a afogamentos. Tudo corria bem, a gente pulava da ponte, aproveitava a
correnteza, saía da agua e retornava para repetir o mergulho, era uma delicia.
Em determinado momento, o Bá, meu irmão mais velho, que era uma espécie de
líder fez a proposta que poderia ter me levado para o “outro plano” mais cedo.
O desafio foi dividir a turma em dois grupos e apostar corrida na agua-(nadando
é claro). A gente mergulhava da ponte aos pares e quando chegava ao barranco a
vinte metros autorizava o companheiro a mergulhar e fazer o mesmo até acabarem
os competidores. No sorteio-(acho que de propósito) meu irmão usou de
malandragem e escolheu-me como rival e a gente seria a última dupla a cair na
agua. Eu nadava melhor que ele e ainda teria a correnteza a favor, tava no
papo, pensei, hoje ele vai se lascar. O que eu não contava era que os nadadores
que pularam antes iriam fazer a diferença e complicar minha performance-(chic,
essa palavra né?) mesmo assim fiquei ansioso esperando para cair na agua. E vai
um, vai outro e mais outro, disputa acirradíssima, mas o penúltimo companheiro
de equipe me ferrou.

                                      O garoto
era muito lerdo e quando ele tocou no barranco para liberar meu mergulho o Bá
já estava na agua, mesmo assim fui à busca do prejuízo. A distancia a percorrer
era pequena, mas a correnteza e meu peso favoreciam então ultrapassei-o e
quando fui tocar no barranco para a vitória senti sua mão em meu ombro e
afundei. Nenhum de nós sabia, mas a agua havia esculpido um enorme buraco
naquele local e eu fui sugado por ele. Inexperiente para resistir à força da
correnteza que me puxava para baixo prendi a respiração o mais que pude e fui
tentando subir, tentando subir até que finalmente consegui, porem fiquei
exausto e ao me agarrar ao barranco e sair da agua fiquei ali deitado por uns
cinco minutos enquanto o Bá comemorava a vitória com seus companheiros de
equipe. Ninguém desconfiou ou se preocupou com o momento de desespero que
passei. Pelo contrário, eles me chamavam de perdedor e tiravam sarro na minha
cara enquanto eu buscava a maior quantidade de ar possível para me recuperar do
incidente. Na volta para casa estava aliviado por sobreviver e hoje, quarenta e
dois anos depois daquela longínqua tarde de verão do ano de 1972, quando os
amigos me chamaram de derrotado eu tenho a plena certeza de que fui o
vencedor...

 

 

Pedro Martins

03/06/2013

Esta é uma história verdadeira e por incrível que pareça até hoje meu irmão não sabe do risco de morrer que corri naquela dia, como é bom estar vivo para contar, né... ainda tem muitas aventuras de minha infância para relatar, estou pensando em transformar essas histórias em livro, quem sabe...

Pitangueiras, em meu trabalho, sem o que fazer, recordando...