O que eu sei sobre você
é o que está no imaginário
Pois foi um comerciante
seu defensor solidário
que fez sua existência
alcançar o centenário


Na rua Siqueira Campos
que deu azo pra história
mesmo quem sabe contar
sua bela trajetória
não guarda nenhum detalhe
registrado na memória


Pra fazer nesse cordel
a minha própria versão
tenho direito e dever
de usar a imaginação
e remontar o lirismo
da sua preservação


Imagino o comerciante
quando ainda era criança
brincando entre paineiras
na praça da vizinhança
num tempo que a cidade
dava sinais de mudança


Quanta lã dessas paineiras
ele recolheu do chão
pra costurar uma barba
e brincar de ancião
ou forrar seu travesseiro
quando havia precisão?


E cogito que a força
dessa memória afetiva
fez o mesmo defender
você paineira nativa
quando o bairro começou
a girar na roda-viva


Da prefeitura partiu
pra rua ter mais espaço
a decisão de arrancar
projetando melhor traço
sendo esse comerciante
que impediu o erro crasso


Posso ver que seu canteiro
ultrapassa o calçamento
Mas se a rua nesse ponto
perde em estacionamento
pra você ficar ali
é melhor o argumento


Se a cidade tem aléia
da Europa importada
a nossa flora nativa
tem que ser valorizada
e a paineira ornamental
será sempre apreciada


E no bairro que concentra
os maiores monumentos
até mesmo os turistas
passam por você atentos
pra saber que as paineiras
também tem encantamentos


Um presente ao olhar
é sua copa florada
como se fosse um chapéu
de seda verde e rosada
ou nas fibras de algodão
ver uns flocos de nevada


Mas ninguém nesta cidade
sabe quantos passarinhos
na sua firme galhada
construíram os seus ninhos
e criaram os filhotes
protegidos nos espinhos?


Quanta lã já emprestou
ao ninho dos beija-flores?
Quanta sombra estendeu
depois de quantos alvores?
Viu passar quantos casais
de mãos dadas sonhadores?


O tempo que foi passando
já vai ficando distante
Porque hoje o que se vê
é um tumulto constante
com brigas e tiroteio
buzina e alto-falante


Mas quem passa apressado
enfrentando o dia-a-dia
tendo lembrado da sua
peculiar biografia
não deixa de reparar
seu tanto de poesia


Quando passo por você
movido por compromisso
ou mesmo indo a passeio
eu não lembro nada disso
Só vejo a velha paineira
que ainda mantém o viço
 

Carlos Alê
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