Hoje eu sai da linha, soltei a voz, gritei no escuro
deixei de ser certinho, não vou à missa pra não ouvir ladainha
embora não seja santinho não fico em cima do muro
rodei a baiana, virei a mesa, tirei o sapato, andei descalço
subi ladeira correndo e não me venceu o cansaço
pra curtir a vida adoidado rompo barreiras, saio do sério
planto bananeira, dou cambalhotas, brigo de foice no escuro
dou bom dia pra cavalo da simplicidade faço um mistério
dou asas à imaginação voando como as gaivotas
olhei a vida de cima notei brigas por pequenas diferenças
mas tudo estava juntinho quando olhei pro cemitério

Na vida agitada que eu levo não dá pra ficar parado
soltei o freio de mão depois chutei o cachorro
ouvi a voz da consciência quando assaltava a geladeira
acreditei na mentira do maníaco controlando sua tara
disse sim para ciência, mas a minha fé eu recorro
dei sorte para o azar fiz tempestade em copo d'água,
ganhei a luta no grito sem nenhum tapa na cara
afoguei as mágoas no oceano, chorei lágrimas de crocodilo
dei banana pra macaco, cutuquei a onça com vara
dei pernada em cobra, fiz das tripas coração
corri atrás do vento só para sentir a emoção

Defendi meus pensamentos, botei o dedo na cara
enfiei um pé na jaca o outro tirei da lama
me empolguei com o sucesso, mas com a fama me assustei
acabei com o preconceito, fiz o que tinha vontade
andei tranquilo apreciando cada canto da cidade
joguei fora a etiqueta assobiei e chupei cana
disse não para mesmice quis curtir as novidades
procurei meu pé-de-meia mas me perdi pelo caminho
sai fora da rotina só para abraçar a sensação
me deparei com a disciplina me indicando a direção
eu já estava muito longe e mesmo errado continuei

Pulei a cerca, quebrei regras, desatei o nó da garganta
botei fogo no circo só pra ver a correria
cantei alto, soltei o som, mas o mal não se espanta
enchi o saco do pobre somente com porcaria
cortei fila, paguei meia pois desfruto de regalia
andei na contramão desde o começo da estrada
sou politico, sou honesto e não tenho mordomia
não estou pra brincadeira, mas sorrio com palhaçada
não me assusto com a multa nem com o apito do guarda
faço a lei dou canetada mordo até língua de sogra
sou melhor que a encomenda, sou pau pra toda obra

Violentei as tradições botei a carroça antes do burro
concordei com a ignorância a sabedoria despachei
disse adeus à vaidade, mas ao ego me apeguei
fiz da alma tão sedenta uma bússola e naveguei
alma que eu não conhecia nem meu coração impuro
confundi valor humano, fiz do santo um profano
misturei coisas sagradas do divino me afastei
carreguei os meus pecados sem saber que estava livre
fiz da vida um labirinto nas estradas derrapei
venci barreiras e obstáculos, mas não achei o que procuro
descobri que a liberdade está em cada canto que se vive

Mas contente eu não estava com tanta lei exterior
obedeci a lei da vida rimando amor e dor
era o preço a ser pago quando não se faz o que é legal
dei muitas asas para cobra coloquei chifre em cavalo
ouço o grito do silêncio mas diante de Deus eu me calo
inverto sempre os papéis e ainda levo desaforo para casa
acredito na força da vida, mas com a fraqueza dela me deparo
sou um professor experiente mas aprendendo a ser normal
sei que o mundo dá muitas voltas e sei onde quero chegar
sigo a procura de tudo mas esse tudo para mim é nada
vivo a espera de um dia comigo mesmo encontrar

Segui aos trancos e barrancos sem ver luz no fim do túnel
chutei o balde e o pau da barraca bati de frente com a vida
aprendi com erros dos outros mas dei muitas cabeçadas
resolvi os meus problemas pois nenhum é insolúvel
tirei o burro da sombra o sol tapei com peneira
voltei do mundo da lua após dar murro em ponta de faca
não julgo para não ser julgado, para a vida dei uma trégua
volto ao curso natural, bem educado com boas maneiras
dei as costas para o mundo nada mais nele me importa
ser humano, ser perfeito, ser normal, tudo exige muita entrega
dei um tempo para o tempo pra não viver quebrando regras...

Zeca Moreira
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