Inveja sob a Capa de uma Falsa Piedade

Elifaz e seus companheiros tinham condenado Jó de ser alguém injusto e hipócrita, mas nenhum deles havia descido a pecados particulares que tivessem sido cometidos por Jó.
Todavia, é o que Elifaz fez aqui neste capítulo 22º, acusando Jó de muitas transgressões às quais ele nomeou citando-as diretamente.
Ele havia se aborrecido grandemente com o fato de Jó ter se declarado justo aos olhos de Deus. Como não admitia que um justo pudesse ser assolado daquela maneira, então acusou Jó de hipocrisia, e declarou no início deste capítulo as seguintes palavras, que usou com ironia ácida, uma vez que Jó se declarava justo. Suas perguntas em forma de ironia não tencionavam portanto obter respostas afirmativas, mas uma negação de tudo o que estava perguntando.
Então ele queria dizer que o homem é de algum proveito a Deus, e que o sábio não é útil apenas para si mesmo, e que Deus tem interesse e lucro em que alguém seja justo e faça perfeitos os seus caminhos.
No entanto, a partir do verso 4, a pergunta busca uma outra forma de resposta, porque Elifaz considerava que não seria possível Deus repreender a Jó, caso fosse justo, como vinha alegando, caso tivesse de fato o temor de Deus, bem como haveria lucro para ele, caso fosse perfeito nos seus caminhos, porque certamente Deus lhe teria recompensado com o bem.
Então confirmou suas acusações com a pergunta feita no verso 5, em que afirmava que a causa do mal de Jó, era a sua grande malícia e as suas iniquidades sem fim.
Foi neste ponto que ele começou a desfilar uma por uma as acusações injustas diretas que dirigiu contra Jó.
Primeiro disse que ele havia tomado penhores ao seu irmão e que havia despojado de suas vestes os que estavam seminus (v. 6).
Que ele não havia dado água de beber ao cansado e que não havia dado pão ao faminto (v.7).
Que deu terras somente aos fortes, e havia sido parcial concedendo que morassem nela apenas os seus favorecidos (v. 8).
Que Jó havia despedido as viúvas que lhe procuraram, de mãos vazias, e quebrado os braços dos órfãos, em vez de sustentá-los (v.9).
E dita estas coisas, disse que era isto a causa de Jó estar cercado de laços e do repentino pavor que lhe perturbava, bem como estar nas trevas em que nada podia ver, e em águas transbordantes que lhe cobriam. 
Segundo Elifaz tão densas eram as trevas da iniquidade que envolviam Jó, que sequer Deus poderia vê-lo das alturas.
Ele acusou ainda mais a Jó dizendo que ele dera causa a tudo aquilo voluntariamente, pedindo que Deus se retirasse de sua vida, porque queria seguir a rota antiga em que os homens iníquos haviam pisado (v. 15 a 17)
  E numa referência indireta a Jó, disse que Deus havia enchido de bens as casas destes ímpios, antes de lhes trazer grande ruína, porque Jó era muito rico antes de ter sido afligido (v. 18). Como ele não queria perder seus bens e o conforto em que vivia, tal como sucedera com Jó, exclamou dizendo: “Longe de mim o conselho dos perversos!”
Então ele se regozijava no fato de que os justos que vissem tais ímpios em sua ruína se alegrassem e escarnecessem deles, tal como ele estava fazendo com Jó (v. 19), porque viam nisso a mão de Deus destruindo os seus adversários e o fogo consumindo o restante deles (v. 20).  
Depois de ter feito tão grande injustiça a Jó, rogou-lhe que se reconciliasse com Deus para ter paz, e para que lhe sobreviesse o bem, e esta reconciliação, para ele, consistia em que Jó afastasse da sua tenda a injustiça que vinha praticando, e que jogasse fora todo o ouro que ainda possuísse, para que Deus pudesse se tornar o seu ouro e a prata escolhida (v. 21 a 25).  
Se Jó purificasse as suas mãos, então Deus tornaria a ser propício novamente para com ele, e assim, poderia ser seu instrumento de salvação dos humildes e até mesmo para libertar o que não fosse inocente, graças à pureza das suas mãos (v. 26 a 30).
À vista apressada pode parecer uma boa teologia, excluída as acusações falsas que foram feitas contra Jó. 
Mas é na verdade uma teologia cheia de veneno mortífero para a alma, tal como a teologia legalista dos escribas e fariseus, que continua bem representada ainda em nossos dias em vários segmentos da Igreja.
É a teologia do faça e viverás.
É a teologia da salvação pelas obras.  
É a teologia do mérito. Da comparação invejosa de uns com os outros.
Assim eram Elifaz e seus companheiros.
Incapazes de perceberem que todo o verdadeiro bem procede de Deus e não do coração do próprio homem, de onde procede somente o mal, que o contamina.
 Eles pregavam fazer o bem para alcançar a Deus e o Seu favor, quando a verdadeira doutrina ensina que se deve alcançar a Deus e o Seu favor (graça) para que possamos fazer o bem.
Eles representavam o grupo daqueles que costumam dizer: “Seja bonzinho e Deus será com você!”. Mas o homem não pode, de modo algum, sem a graça do Senhor, ser “bonzinho” como eles pretendem ser.
E não será por ser sempre “bonzinho” que será abençoado por Deus, senão por viver pela fé. Não é por agradar a todos que seremos aprovados pelo Senhor. Ao contrário, o evangelho nos impõe desagradar a muitos, até a nós mesmos, especialmente o nosso ego. 
Os amigos de Jó eram hipócritas como os fariseus dos dias de Jesus, nunca podemos esquecer disso ao estudarmos o seu livro.
Assim, o pedido de despojamento e de humildade que Elifaz fez a Jó, não era o de uma verdadeira humildade que consiste sobretudo em pobreza de espírito, pelo reconhecimento de nossa total dependência de Deus, mas de se fazer medíocre diante de outros, especialmente destes hipócritas, para que se sintam superiores a nós, tal como eles desejavam se sentir em relação a Jó, porque certamente lhes incomodava o fato de ter sido até a hora da sua aflição, o maior homem do Oriente.
Jó era verdadeiramente humilde, mas a grandeza das possessões materiais que Deus lhe dera, era um grande incômodo para aqueles invejosos.
Então em sua hipocrisia, eles lhe falaram de assistir órfãos, viúvas, pobres, em doar terras, e coisas como estas, não com a intenção de ajudar o próximo, mas de fazer Jó se despojar de seus bens para se tornar pobre.    
Na verdade eles não queriam nenhuma restauração para Jó, e é bem possível que lhes agradasse a ideia que ele morresse, para que não o tivessem mais como uma sombra para a própria grandeza deles.
Por isso estavam se esforçando tanto para tentar subjugá-lo com seus argumentos debaixo de uma capa falsa de piedade, porque queriam triunfar sobre ele em todos os sentidos, inclusive em sabedoria e em religiosidade.
Eles queriam o seu troféu. A própria ruína e morte de Jó, como a prova de que a justiça deles era maior do que a dele, porque, caso contrário, Jó não teria morrido em tão grande desgraça, enquanto eles prosseguiam vivendo suas vidas confortáveis e regaladas.
 
 
 
 

Silvio Dutra
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