"Com bons olhos, quem ama, em torno tudo vê,

Folga, estremece, ri, sonha, respira e crê;

A crença doira e azula o círculo que o cinge;

Da volúpia do bem o grau supremo atinge!

 

Eu também atingi esse supremo grau:

Também fui bom e amei, e hoje odeio e sou mau!

E as culpadas sois vós, visões encantadoras,

Virgínias desleais, desleais Eleonoras!"

 

Raimundo Correia, Vúlnus.

 

I

 

Enganei-me na volúpia de tuas carícias brandas:

Eras vil e em ti enxerguei a bondade amável em pessoa.

O eco aterrorizante da tua voz ainda em minh'alma ressoa

Enquanto junto aos demônios da luxúria e da mentira tu andas.

 

Hoje, lúcido, almejo com cólera, arrancar teu coração!

Teu amor era mentira e eu quero partir o continente ao meio com a verdade de meu ódio

Até ver-te afundar no abismo mais negro e recomeçar após tal episódio

A viver novamente, longe da tua não existência, livre de tua tentação!

 

Minha ideia de ti era uma alucinação, algum efeito colateral do haxixe

O qual provei quando beijei tua boca. Eras um fatal delírio,

A Femme Fatale tão descrita, minha dor e meu tétrico martírio...

Em ti eu queimava e me afogava em um lago férvido de piche.

 

Eu julguei que em ti eu plantaria minha vida inteira como uma árvore,

Mas eras um enigma a me corroer, a me devorar por indecifrável, eras a esfinge!

Meus pensamentos enevoados, meus erros os quais o destino cinge

Refletem-se no espelho de teu rosto perfeito, branco como mármore...

 

Eu corri até ti como se fosses um abrigo para o fim de todo o mundo

E fechaste as portas na minha cara sem piedade, com palavras amargas.

Entendi que eu havia caído em tentação e dores febris e letargas

Entraram em erupção em meu ser, vindas do vulcão escondido em um eu tão profundo...

 

Eu estava tão cego por ti, tão iludido que ignorei qualquer racional lei...

Provar teu corpo, teu sabor era algo místico, a fruta mais doce para minha língua.

Fiquei, entretanto, na miséria feito um mendigo, fiquei à míngua,

Posto que em terra de cego, caolho é rei...

 

II

 

Eu desejo voltar no tempo, desejo pisotear o que chamaste de amor.

Mentiste para ti mesma e me enganaste no processo. Quão tétrico

Foi o sentimento, fiquei louco, dopado, violentado, elétrico,

Em convulsões epilépticas com tamanha, imensa dor!

 

Desejo dar-te um terrível beijo, um horrível carinho, um indiferente abraço,

Esboçar uma neutralidade sem paixão, algo sem nenhuma carícia...

Eu tanto corri por ti e errei em fazê-lo, pois eras pura malícia

A torturar meu então frágil espírito o qual outrora foi forte como o aço!

 

A tua tentação apanhou-me e tudo foram  colossais mentiras.

Fui apenas mais um em tua vida, mais um mero peão em teu jogo.

Como doeu... Como foi herético o que fizeste... Queimei em teu fogo

Até às cinzas e a quem tentou me salvar, disseste: "Não interfiras!"

 

Foste para mim, que caminhei no ermo do deserto, uma mágica miragem:

Em ti, do nada que me consumia, encontrei tudo, para a minha sede eras a água...

Vã foi minha luta, meu esforço para mantê-la, só deixaste mágoa

E um desejo oco em mim de partir para uma infinita viagem...

 

Perséfone, sim... Assim deveria ser o teu verdadeiro nome...

Iludiste-me com lindas mentiras e eu preferia que fosses verdadeira e feia

Para ao menos eu ainda te amar, envolto em tua aracnídea teia

Onde feliz, eu seria a presa a saciar teu supremo momento de fome...

 

Tentação... Teu ser inteiro, tua memória inteira ainda me devora!

Se te amar foi pecado, eu pecaria de novo, sim, contradigo a indiferença dita!

Tentação... Nem te sei descrever como um anjo ou uma presença maldita,

Sei apenas que em sangue e ilusão algo em mim ainda chora...